1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

A dificuldade da esquerda brasileira para se reinventar

27 de setembro de 2017

Com a perda de prestígio dos últimos anos, a esquerda busca renovar sua agenda para recuperar apoio da população, mas não conseguiu produzir um nome de peso além do ex-presidente Lula, cuja candidatura é incerta.

https://p.dw.com/p/2klEs
Multidão de apoiadores segura cartaz de Lula
Apesar de processos, Lula continua favorito nas pesquisas de intenção de vota para a eleição de 2018Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres

O impeachment de Dilma Rousseff e a crise econômica principiada no início do segundo mandato petista determinaram um cenário trágico para a esquerda nos últimos três anos. A autocrítica sobre o envolvimento em casos de corrupção e alianças políticas questionáveis durante os 13 anos de PT no poder não foi feita, e o distanciamento foi sentido nas urnas. A prova do desgaste ocorreu nas eleições municipais de 2016, que deram um sinal claro de que o discurso do campo progressista fora minado na relação com a sociedade.

Leia também: O PT mais uma vez contra a parede

"Desde 2002 o PT, como governo, teve muitos acertos, mas também muitos erros. Os acertos são cantados em prosa e verso por todos: Bolsa Família, pleno emprego... Mas também houve erros, e de duas naturezas: o primeiro foi ter deixado intacto a financerização do país e não ter mexido na distribuição dos impostos, taxação de grandes fortunas. O segundo erro foi o envolvimentos com os setores mais conservadores e patrimonialistas da política brasileira, que exigiu pagamentos para  apoiar o PT e suas políticas no Legislativo. Isto foi o pontapé inicial do envolvimento do PT nos escândalos de corrupção que se desdobram até hoje", analisa Céli Pinto, doutora em Ciência Política pela Universidade de Essex, na Inglaterra, e professora da UFRGS.

FHC: "Lula tem que responder à acusação frente à história"

Pesquisas realizadas após as eleições de 2016 mostram o mapa da derrocada dos partidos que se intitulam de esquerda. Na contagem nacional, o PT foi eleito em apenas 254 prefeituras, um forte contraste em relação aos 638 prefeitos eleitos em 2012. No grupo denominado G-93, que reúne 26 capitais e todas as cidades com mais de 200 mil eleitores, o PT reduziu seu número de 14 para apenas uma prefeitura: Rio Branco, no Acre.

O PDT, do presidenciável Ciro Gomes, elevou o número total de prefeitos (307 para 335), mas perdeu terreno no G-93: de 12 para quatro prefeituras. O PC do B aumentou o número nacional (54 para 81), mas recuou no grupo que gere um número maior de eleitores, perdendo mandatos em Olinda (PE) e Contagem (MG), por exemplo. O PSOL, que se posiciona mais à esquerda, governa apenas duas prefeituras no país. E a Rede, que flerta com o centro – mas tem em seu quadro nomes como o senador Randolfe Rodrigues (AP) e o deputado Alessandro Molon (RJ) –, elegeu seis prefeitos.

Fragmentação política

"Falta liderança legítima", analisa o professor emérito do Departamento de Filosofia da USP Ruy Fausto. "Há por um lado os partidos (PT e PSOL, principalmente), que estão mais ou menos em mau estado. O PT vai muito mal. O PSOL é um feixe de tendências, a maioria das quais têm ilusões com políticas do passado. Mas há também gente boa no PSOL. Há, por outro lado, os movimentos sociais. Importantes, mas as ideias da sua cúpula não vão muito longe", diz Fausto à DW Brasil.

O ex-ministro da Educação durante parte do segundo mandato de Dilma Rousseff Renato Janine Ribeiro vê a esquerda na defensiva, por não ter apresentado novas ideias enquanto esteve no poder.

"Durante 10 anos, a esquerda esteve no governo possuindo dinheiro. Quando o dinheiro acabou, eles não souberam o que fazer. Quem estava no governo tentou. Quem era apoio ao governo não conseguiu entender. Eu, como ministro, recebi uma quantidade enorme de pessoas que só pediam dinheiro, mas não propunham nada", conta Janine, em entrevista à DW Brasil.

Leia também: "Cobrança sobre partidos de esquerda é mais severa"

Recuperar a confiança do eleitorado vai demandar uma nova agenda de propostas, avalia Céli Pinto. "As bandeiras da nova esquerda estão nas reformas importantes para minimizar as desigualdades, como a reforma urbana, reforma tributária, uma reforma na educação que mude radicalmente a situação crítica em que se encontra no país. Deve-se lutar pela garantia de direitos conquistados ao longo de quase um século e incorporar as demandas dos movimentos dos sem teto, das mulheres, da população LGBT e de todos os outros grupos tradicionalmente excluídos", pondera.

 O fator Lula

Veja trechos do segundo depoimento de Lula a Sérgio Moro

A dificuldade é encontrar uma liderança comum. Respondendo a processos no âmbito da Operação Lava Jato, da Operação Zelotes e denunciado pela Procuradoria-Geral da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua sendo a única candidatura viável da esquerda brasileira. Seus apoiadores qualificam os processos judiciais de perseguição política, e, segundo pesquisas de opinião recentes, Lula lidera as intenções de voto em todos os cenários.

"Lula é o político mais popular do país, apesar de todos os pesares. É o líder incontestável do PT há mais de 30 anos. O PT não soube, até agora, ter alguém que se compare a ele, nem de longe. Em parte, por isso, a situação está crítica para a esquerda. A direita sabe que, se ela dificulta a candidatura do Lula, o PT não tem como substituí-lo a altura. A esquerda também sabe disso", afirma Janine.

Condenado a nove anos e seis meses de prisão por Sergio Moro no processo que envolve o Triplex do Guarujá, Lula aguarda em liberdade a decisão do TRF-4. Se for condenado em 2ª instância, será impedido de se candidatar pela Lei da Ficha Limpa. A carta de Antônio Palocci ao PT com acusações a Lula torna a situação do ex-presidente ainda mais incerta. 

Plano B

A possível ausência de Lula no pleito é assunto recorrente na formulação de previsões e análises do futuro da esquerda e do país.

"Fala-se muito em nomes. O problema, claro, não é só este, mas isso é importante. De minha parte, cito três: Tarso Genro [ex-governador do RS pelo PT], Marcelo Freixo [deputado estadual do PSOL-RJ] e [o ex-prefeito de São Paulo pelo PT] Fernando Haddad. Freixo parece que não quer, Tarso não sei muito bem, mas parece que ele é muito hostilizado pelo seu partido, e também não sei se ele se disporia a se candidatar. Resta Haddad. Francamente, acho que é um nome bem razoável. Dentro do PT, ele não é muito amado, e isso é o outro lado de uma das características que o tornam um bom candidato: ele não faz parte da máquina", analisa Ruy Fausto.

Já o cientista político e professor da UFRJ Emir Sader não vê em Haddad a solução para o impasse. "Não é a opção do Lula. Lula disse recentemente que se não puder ser candidato, a prioridade são governadores e ex-governadores do PT, que são todos basicamente do Nordeste. Ele [Haddad], ao contrário dos candidatos do Nordeste, foi derrotado pelo João Dória", completa. O ex-prefeito de São Paulo negou até agora que esteja disposto a concorrer.

O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), aparece como alternativa, ainda que uma aliança com o PT e os outros partidos da esquerda não esteja em um horizonte próximo.

Movimento "Vamos"

Para tentar resolver o impasse, representantes da esquerda entre políticos, intelectuais, entidades sindicais e movimentos progressistas lançaram a plataforma "Vamos", movimento criado em  para discutir a formação de uma nova esquerda no Brasil.

Diante do contexto adverso, a esquerda tem uma missão que, na opinião de Guilherme Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), extrapola o quadro eleitoral. "É evidente que a eleição de 2018 é parte de uma disputa política mais geral e a esquerda vai se posicionar nela. Mas é necessário discutir um programa para 10, 15 anos".

Para além de iniciativas pontuais como o "Vamos", Ruy Fausto acredita que esquerda deve avançar em propostas que conquistem distintas camadas da sociedade. "A melhor defesa é a discussão sem preconceitos nem temores, e um trabalho no sentido de ganhar não apenas os mais pobres, mas também a classe média", recomenda.