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África testa o Rendimento Básico Incondicional

Silja Fröhlich | ck
26 de dezembro de 2018

O Rendimento Básico Incondicional é pensado para permitir a todas as pessoas uma vida digna. Seis países africanos têm projetos para descobrir o que acontece quando pessoas recebem dinheiro sem qualquer contrapartida.

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Foto: picture-alliance/dpa/B. Pedersen

Das 627 milhões de pessoas que vivem em pobreza no mundo, 431 milhões são africanas. Mais de um terço da população do continente vive abaixo do limiar de pobreza, definido pelo Banco Mundial como um rendimento abaixo de 1,90 dólares por dia. As várias formas de tentar mitigar a pobreza incluem assistência, formação e o reforço de infraestruturas. Outro instrumento é o chamado rendimento Básico Incondicional (RBI). Na Finlândia decorre neste momento um projeto-piloto com 2000 participantes. Os suíços rejeitaram recentemente em referendo a introdução do RBI. Em África há seis países africanos onde se está a pôr à prova a ideia.

O conceito do RBI é assegurar a todos os cidadãos um rendimento mínimo, independentemente se trabalham ou não. Cada um é livre de decidir o que fazer com esse dinheiro. A crescente popularidade do RBI deve-se "ao debate sobre as mudanças no mercado do trabalho, uma vez que cada vez mais funções são mecanizadas", diz Luke Martinelli, economista na Universidade inglesa de Bath. "O Rendimento Básico Incondicional pode assegurar a sobrevivência das pessoas e dar-lhes condições para correrem riscos, como realizar projetos ou aceitar empregos temporários", explica Martinelli.

A experiência queniana

A organização não-governamental norte-americana GiveDirectly está a testar a eficácia do conceito em África. "Estamos a levar a cabo experiências no Quénia, Ruanda e Uganda. Já começámos com pagamentos na Libéria, e estamos a preparar projetos para a República Democrática do Congo e o Malawi", diz Joe Huston, administrador das finanças da GiveDirectly. Um total de 100.000 lares está a receber um RBI. O custo anual para os primeiros quatro países é de 60 milhões de dólares norte-americanos. 

Afrika | Mobile money
O RBI é transferido via telemóvelFoto: Getty Images/AFP/I. Kasamani

Um projeto piloto de dois anos teve início em outubro de 2016 numa aldeia no distrito de Bondo, no Quénia. 20.000 adultos em quase 300 aldeias nas regiões de Siaya e Bomet começaram a receber subsídios no início de 2018. A organização está a testar três modalidades diferentes de pagamento. O efeito dos pagamentos é medido mediante comparação com um grupo de controlo de pessoas que não recebe o dinheiro. Um número determinado de pessoas receberá, durante doze anos, cerca de 20 dólares por mês, que são transferidos via telemóvel e podem ser levantados em dinheiro contado. Um segundo grupo recebe mensalmente a mesma soma por dois anos e um terceiro grupo recebe um pagamento único de 500 dólares.

Um terço dos habitantes das regiões de Siaya e Bomet vive abaixo do limiar de pobreza queniano, determinado pelo Governo como rendimento inferior a 15 dólares nas áreas rurais e 28 dólares nos centros urbanos. "Não lhes sobra dinheiro que possam poupar ou investir em adubos, máquinas ou formação", diz Martinelli. O economista não crê que as pessoas se tornem dependentes do RBI, pelo contrário: "Vão investir no futuro e melhorar as suas condições de vida".

Estufas, cooperativas e propinas

"É muito interessante visitar uma aldeia queniana em que todos recebem dinheiro", conta Houston. "As pessoas encontraram mil maneiras de investir". Uma família construiu uma estufa. Outras famílias juntaram-se para pagar um professor que dá explicações aos filhos ao fim-de-semana. Há pessoas que têm uma conta de poupança conjunta: cada um deposita dinheiro numa caixa e, ao fim do mês, um dos membros recebe o dinheiro para um investimento mais importante, como a compra de gado ou o pagamento das propinas escolares.

O projeto da GiveDirectly em África é financiado por donativos privados e organizações. O administrador das finanças Houston admite que a experiência é cara, "o que coloca a questão se vale a pena". Mas Houston aponta os custos da política de desenvolvimento, que, segundo a Organização para a Cooperação Económica e o desenvolvimento (OECD) atingiram os 150 mil milhões de dólares em 2017. Este ano, os donativos para fins caritativos chegaram aos 400 mil milhões de dólares só nos Estados Unidos da América. Tendo em conta estas somas, seria mais barato conceder subsídios a todas as pessoas do mundo, para que nunca mais alguém tenha que viver abaixo do limiar de pobreza nacional. Pelas contas de Houston, para isso seriam necessários 80 mil milhões de dólares por ano. 

Fomentar a preguiça?

De um modo geral, diz Houston, há que analisar os custos e benefícios do RBI. Nem ele, nem Martinelli, acham que a má aplicação dos fundos, por exemplo, em álcool, represente um problema. "O argumento de que os pobres não podem decidir autonomamente como gastar o dinheiro é perigoso", diz Martinelli. Mas admite recear que haja pessoas que desistam de trabalhar se auferirem um rendimento garantido.

Ainda não existem dados que permitam concluir os efeitos concretos do RBI no Quénia. Mas um projeto-piloto na Namíbia de 2007 a 2009 produziu resultados promissores. Segundo a Basic Income Grant Coalition, na região testada houve um aumento de 90% de frequência escolar; a subnutrição infantil recuou em 42% em novembro de 2007 e 10% em novembro de 2008. Só em 2019 se saberá se a experiência queniana também vai ter o mesmo êxito.