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Recurso do MP no caso Castel-Branco: uma questão política?

Maria João Pinto24 de setembro de 2015

Jurista moçambicano José Caldeira analisa recurso da sentença que absolveu Nuno Castel-Branco e Fernando Mbanze no caso de uma opinião sobre Armando Guebuza. Advogado salienta importância da independência do tribunal.

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José CaldeiraFoto: José Caldeira

O Ministério Público moçambicano vai recorrer da sentença que absolveu um académico e um jornalista, num processo relacionado com uma opinião sobre o antigo Presidente Armando Guebuza.

O caso diz respeito a uma carta do economista Nuno Castel-Branco dirigida ao então chefe de Estado, divulgada em novembro de 2013 na rede social Facebook.

Castel-Branco foi acusado por crime contra a segurança do Estado e Fernando Mbanze, editor do diário eletrónico Mediafax, respondeu pelo crime de abuso de liberdade de imprensa, por ter publicado a carta.

Ambos foram absolvidos na semana passada. O Tribunal justifica a decisão afirmando que o académico expressou uma crítica pública sobre a forma como Armando Guebuza estava a dirigir o país e que o jornalista se limitou a exercer a liberdade de imprensa, ao publicar a carta.

20 Jahre Frieden in Mosambik
Economista Nuno Castel-BrancoFoto: IESE

Agora, o Ministério Público pretende recorrer da decisão. Sobre o assunto, a DW África entrevistou o jurista moçambicano José Caldeira.

DW África: Porquê esta insistência no caso?

José Caldeira (JC): É difícil saber, mas temos, na nossa lei, um dispositivo que diz que há situações em que há recurso obrigatório do Ministério Público. Não sendo um criminalista, acho que não estamos, neste caso, numa situação de recurso obrigatório. Mas, de qualquer maneira, a lei diz que se o superior hierárquico do Procurador que está afeto ao processo ordenar que seja feito recurso, então esse Procurador tem que obedecer à ordem do superior hierárquico. Portanto, podemos estar numa situação em que há uma instrução do superior hierárquico no sentido de proceder ao recurso deste caso concreto.

DW Africa: E esta hipótese de que fala, da instrução do superior hierárquico, poderá estar de certa forma relacionada com esta opinião de muitas entidades e pessoas dentro e fora de Moçambique que dizem que este caso já ultrapassa a esfera judicial, ou seja, está a aproximar-se de algo com contornos mais políticos?

JC: De facto, este crime de que ele vinha a ser acusado, e que ainda se mantém, é um crime que está previsto na legislação penal. Portanto, não vejo porque é que se está a querer levar isto a uma questão de caráter político. Acho que a sentença está muito bem fundamentada por parte do juíz, o direito à liberdade de expressão e de pensamento está na nossa Constituição. Acho que o juíz decidiu muito bem.

DW África: Pegando neste ponto da lei moçambicana que define que esta difamação do Presidente pode ser um crime contra a segurança do Estado. Na sua opinião, faz sentido essa lei? JC: Acho que a forma como o artigo está redigido leva a que haja, pelo menos, a possibilidade de discrecionalidade. Eu não concordo. Acho que não deveria haver um dispositivo que sancionasse desta forma um comportamento do cidadão, principalmente quando está no âmbito do direito à liberdade de expressão. Penso que os nossos políticos também têm de ser responsabilizados pelos actos que praticam. Acho que podia muito bem ter-se aproveitado a revisão que houve ao Código Penal para rever também esta matéria. Infelizmente, isso não aconteceu.

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DW África: Acha que essa “insistência” do Ministério Público numa condenação pode, de certa forma, manchar a imagem de Moçambique nesta área da liberdade de expressão?

JC: O importante é que o tribunal deve manter-se independente. Se isto continuar como, pelo menos neste caso, estamos a assistir, isso obviamente não mancha de maneira nenhuma a imagem do país. Pelo contrário, se o tribunal mantiver esta postura de independência em relação ao poder político, se mantiver a ideia da separação do judiciário, obviamente isso só abona em favor da democracia neste país.