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Situação na Guiné-Bissau "é de uma perigosidade enorme"

7 de dezembro de 2022

A Guiné-Bissau atravessa dos piores períodos da sua história no pós-independência, diz o jornalista Tony Tcheka.

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Foto: DW/F. Tchuma

A situação política e social na Guiné-Bissau "é de uma perigosidade enorme", afirma o jornalista guineense Tony Tcheka em declarações à DW. 

Tony Tcheka comenta que o país atravessa "um período mau" e "as pessoas estão completamente desoladas".

No plano político-social e cultural, o país "não está bem", comenta o jornalista. "Na história da Guiné-Bissau do pós-independência, é uma descaraterização daquilo que nós somos e para onde queremos ir. Isso é gravíssimo. Daí toda a violência que temos estado a viver no país".

Jornalista guineense Tony Tcheka
Tony Tcheka: "Todos os que têm uma posição crítica em relação ao processo político em curso são imediatamente um alvo a abater"Foto: J. Carlos/DW

O analista cita os raptos, ataques a advogados, juristas e ativistas defensores dos direitos humanos e, inclusive políticos, entre várias outras situações anómalas.

"Todos os que têm uma posição crítica em relação ao processo político em curso são imediatamente um alvo a abater", afirma Tony Tcheka, recordando o mais recente ataque ao advogado Marcelino Ntupé, que representa os 18 implicados no processo de tentativa de golpe de Estado de 1 de fevereiro. 

"O objetivo é adiar ou então mesmo anular o tal julgamento dos implicados no suposto ataque ao palácio do Governo", refere Tcheka. Para o guineense radicado em Portugal, o advogado é provavelmente uma "pedra no sapato" para as autoridades do país, a quem "não convém que haja julgamento porque pode ser um desaire do ponto de vista judicial", afirma.

"Não se cumpre a Constituição"

João Conduto, analista político guineense também radicado em Portugal, diz que as violações na Guiné-Bissau se agudizaram com a dissolução do Parlamento pelo atual Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, em maio passado.

"Quando não se cumpre a Constituição, o que se está a verificar neste momento, as pessoas banalizam o Estado. Quando se dissolve o Parlamento, há regras que têm que ser cumpridas. Há prazos. E o Estado está num bloqueio porque não há Comissão Nacional de Eleições. A CNE é caduca. Uma pessoa racional, antes de dissolver o Parlamento, tinha de acautelar isso", diz João Conduto. 

"E estas situações, de não respeitar as regras de convivência, sugerem violência, não só violência física."

Tecnicamente, acrescenta o analista, não é possível fazer eleições. "O hiato que vai desde a dissolução do Parlamento até às eleições é um período de estagnação, de ansiedade e de conflito", afirma João Conduto, para quem a Guiné-Bissau perdeu a confiança dos seus parceiros internacionais. 

"Basta comparar com outros países, como o país irmão Cabo Verde. Cabo Verde tem averbado grandes apoios. Há uma grande confiança a nível internacional, porque as pessoas sabem que [aqueles] que tomaram a responsabilidade de dirigir o Estado dirigem com seriedade e sabem respeitar a lei."

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Presidente guineense, Umaro Sissoco EmbalóFoto: Afolabi Sotunde/REUTERS

O investigador guineense também aponta inúmeras "atrocidades", entre as quais ataques a ativistas, jornalistas e advogados, cometidas pelo regime de Umaro Sissoco Embaló. E alerta que tais atos só deixarão de acontecer se houver uma alteração profunda da atual estrutura de liderança. "Uma alteração profunda, mas através do voto popular. O povo é que tem que resolver isso na base da democracia. Nada de violência", acrescenta. 

Apelo à comunidade internacional

Face à gravidade destes acontecimentos, o jornalista Tony Tcheka pede à comunidade internacional que esteja atenta à situação na Guiné-Bissau e renova as críticas a Portugal, onde o Presidente Umaro Sissoco é constantemente recebido pelo seu homólogo, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo primeiro-ministro português, António Costa.  

O Presidente "tem as portas abertas na Europa, nomeadamente aqui em Lisboa. Eu acho que é tempo de acabarmos com o cinismo da política internacional, ver as coisas como elas são e tentar valorizar questões que têm a ver com a cidadania, com os direitos humanos que, na Guiné-Bissau, neste momento, são postas em causa", diz Tony Tcheka.

João Conduto e Tony Tcheka falaram à DW à margem do encontro "Império, Anticolonialismo e História Contemporânea", que se realizou na terça-feira (06.12) no Padrão dos Descobrimentos, no âmbito do Prémio Amílcar Cabral. 

Ambos consideram que "há um desvio" em relação aos princípios e ensinamentos do líder histórico da Guiné-Bissau, assassinado a 20 de janeiro de 1973, na Guiné-Conacri. Referem que as perspetivas de desenvolvimento que Cabral traçou durante o período da luta pela independência estão subvalorizadas e relegadas ao esquecimento. 

Para Tcheka, "o país está a perder muito do que foi feito no passado" pela valorização da história e do património cultural, sobretudo da memória coletiva. "A grande preocupação que nós temos – eu tenho – é que temos um Presidente que, quando lhe falam de Amílcar Cabral, ele diz 'eu não conheço'."

"E numa outra tentativa ele diz: 'Sim, Amílcar Cabral é cabo-verdiano'. Ponto final. Portanto, tudo o que ele podia dizer sobre Amílcar Cabral foi isso."

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