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Retrospetivas do ano 2011 – Parte 1: Primavera Árabe

22 de dezembro de 2011

O mundo árabe vive, desde o início de 2011, uma reviravolta histórica, que temos vindo a chamar "primavera árabe" . Os protestos começaram na Tunísia e alastraram a outros países como o Egito, a Líbia e o Iémen.

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A "primavera árabe" derrubou regimes e abalou ditaduras no Magreb e noutras regiões do mundo árabe
A "primavera árabe" derrubou regimes e abalou ditaduras no Magreb e noutras regiões do mundo árabeFoto: Elenathewise/Fotolia

Mohamed Bouazizi era um pobre vendedor de frutas de uma cidade no interior da Tunísia, que depois de ver a sua banca de venda confiscada, sem dinheiro para regularizar a situação e desesperado por não conseguir alimentar a família, verteu uma lata de gasolina pela cabeça e imulou-se pelo fogo. Ao fim de três semanas no hospital, Bouazizi acabaria por sucumbir às queimaduras a 4 de janeiro de 2011.

A sua morte empurraria milhares de pessoas para as ruas sobretudo no interior do país. Os tunisinos não se deixavam mais intimidar – nem por palavras nem por carros blindados. O presidente Ben Ali ameaçava, mas isso de nada lhe serviria. A barreira cairia a 14 de janeiro na capital Tunis.

O que ainda ninguém sabia: há muito que Ben Ali estava longe. Tinha fugido para a Arábia Saudita juntamente com a mulher e enormes quantidades de dinheiro, ouro e jóias. O ditador tinha caído, mas as pessoas continuaram na rua: para elas, a elite, que permanecia no poder, iria impedir a revolução.

Mas o processo democrático decorreu melhor que o esperado. A 23 de outubro, os tunisinos elegeram uma assembleia constituinte. Estas foram as primeiras eleições livres na história da Tunísia.

Quatro dias mais tarde, o partido islâmico moderado Ennahda festejava a vitória. Mas o resultado não agradaria a todos. Muitos revolucionários na Tunísia tinham imaginado um futuro diferente. Para estes, o partido islâmico é o preço que têm de pagar pela democracia.

Hosni Mubarak – o último faraó?

A faísca que partiu da Tunísia havia de alastrar rapidamente até ao Egito. Lá, o presidente lutou por mais tempo contra a perda de poder, o processo de democratização do país revelou-se mais difícil do que na Tunísia.

O que começou com uma manifestação na capital, Cairo, a 25 de janeiro de 2011, transformou-se, em poucos dias, numa revolta popular nacional. Dez meses mais tarde, os protestos viriam a acabar em eleições legislativas, as primeiras livres dos últimos 60 anos.

Os protestos na Praça Tahrir foram um sucesso. A 11 de fevereiro o afastamento de Hosni Mubarak era anunciado, o exército assumia o poder no país. A 13 de abril, Mubarak viria a ser detido.

Mas o Conselho Militar gozaria de cada vez menos confiança por parte dos ativistas. Isto porque desde fevereiro tinham sido julgadas cerca de 12.000 pessoas em tribunais militares. A televisão estatal voltava a fazer propaganda pelo regime, agora pelo Conselho Militar.

As eleições legislativas começaram em finais de novembro. Na primeira fase do escrutínio, os salafistas, ultra conservadores, conseguiram um quinto dos assentos no parlamento. Com isso ninguém contava. Muitos dos que participaram na revolução sentiram-se traídos. Isto, porque os salafistas não tinham participado na revolta. A segunda fase aconteceu em dezembro e a terceira etapa será apenas em janeiro do próximo ano.

Muammar Kadhafi – o fim da mais longa ditadura de África

Mais sangrentas que no Egito, contudo, foram as convulsões na Líbia. O presidente Muammar Kadhafi instigou os militares contra os manifestantes, a NATO entrou no país e, finalmente, as tropas da revolução obtiveram a vitória sobre Kadhafi. Um levantamento popular que começou na cidade portuária de Benghazi no leste do país. Lá viveram-se em fevereiro os primeiros protestos contra o regime, a favor de reformas políticas. Recorrendo à violência, tropas de Kadhafi tentavam suprimir a revolta, que alastrou por todo o país.

Em finais de agosto, as milícias do Conselho de Transição da Líbia conquistavam a capital Trípoli. Até outubro, aviões da NATO levaram a cabo mais de 20.000 operações, cerca de metade contra unidades do líder líbio.

Depois da sua fuga da capital, Kadhafi escondera-se na sua cidade-natal, Sirte. De lá, passara a mandar mensagens de áudio apelando à luta contra os insurgentes. O déspota de 69 anos viria a ser morto a tiros a 20 de outubro, depois de apanhado pelos rebeldes. O seu segundo filho, Seif al Islam, foi denunciado por alguém próximo e preso em meados de novembro. Tal como o pai, também Seif al Islam era procurado pelo Tribunal Penal Internacional, acusado de crimes contra a humanidade.

Mais de 30.000 pessoas perderam a vida na luta pela liberdade. Dezenas de milhares estão dadas como desaparecidas ou foram feridas.

O novo governo de transição, que inclui representantes de todos os grupos étnicos do país, tem de restabelecer a vida económica , tem de desarmar a população e reintegrar cerca de 200.000 ex-rebeldes armados no exército ou nas forças de segurança do país.

Ali Abdallah Saleh – será?

Pouco depois da morte do ditador líbio, já fora de África, a pressão sobre o presidente iemenita Ali Abdallah Saleh fê-lo ceder perante os protestos no seu país, o que terminou na assinatura de um acordo sobre a transferência de poder.

Depois de ter reprimido a revolta popular no Iémen ao longo de dez meses, Saleh deslocou-se em finais de novembro à Arábia Saudita na promessa de trabalhar no sentido de conseguir uma verdadeira parceria entre o seu partido e a oposição para gerir os assuntos do país e reconstruir o que destruíra.

Mas segundo o acordo, Saleh permanece presidente a título honorífico por um período de três meses. Ao fim deste tempo, Rabbo Hadi será designado presidente interino por dois anos até à organização de eleições presidenciais e legislativas.

Os invencíveis – pelo menos, para já

A primavera árabe surpreendeu o mundo, é certo, mas nem em todos os países atingidos os protestos conseguiram derrubar os ditadores. O Bahrain e a Arábia Saudita são dois exemplos: ambas as monarquias se mantêm nos seus tronos, ambas continuam a reprimir as revoltas com recurso à violência, mas destes casos pouco se tem falado: enquanto Riad, Arábia Saudita, é um dos mais próximos aliados dos Estados Unidos na região, a própria veio em socorro do governo de Manama, quando enviou o seu exército para abafar as manifestações no Bahrain, também este próximo de Washington.

Quem também ainda não se rendeu à voz do povo foi o presidente da Síria, Bashar Al Assad. Lá, os protestos continuam, apesar de todas as sanções impostas ao país, apesar dos acordos assinados com a Liga Árabe, prometendo o fim da violência, apesar da exclusão deste grupo regional.

E, por fim, Ali Abdallah Saleh (Iémen)
E, por fim, Ali Abdallah Saleh (Iémen)Foto: dapd
Mais tarde Muammar Kadhafi (Líbia), cuja resistência o levou à morte
Mais tarde Muammar Kadhafi (Líbia), cuja resistência o levou à morteFoto: dapd
Seguiu-se Hosni Mubarak (Egito)
Seguiu-se Hosni Mubarak (Egito)Foto: picture alliance/dpa
Ben Ali (Tunísia) foi o primeiro
Ben Ali (Tunísia) foi o primeiroFoto: picture-alliance/dpa

De acordo com dados da ONU, já mais de 5.000 pessoas perderam a vida desde o início dos protestos no país.

Para a organização não-governamental Amnistia Internacional, a primavera árabe é um encorajamento para a luta pelos direitos humanos. E este encorajamento verifica-se, de facto: é que entretanto, esta primavera deixou de ser apenas árabe.

Perante a surpresa das revoltas nestes países e o sucesso dos manifestantes, que pediram reformas democráticas e mais transparência, pediram liberdade, respeito pela dignidade e pelos direitos humanos nos seus países e perante a queda sucessiva de regimes que pareciam assentes em sólidas bases, a primavera que começou árabe alastrou a outras regiões, passando para lá da fronteira do Magreb e do Médio Oriente. Angola é um exemplo. No país, também há meses os jovens saem às ruas para exigir a queda do seu presidente, José Eduardo dos Santos, há mais de três décadas no poder.

Entretanto chegou o inverno. Mas depois dele outra primavera virá.

Autores: Marc Dugge (Rabat) / Jürgen Stryjak (Cairo) / Peter Steffe (Cairo) / Marta Barroso
Edição: Johannes Beck