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Refugiados à espera da paz definitiva em Moçambique

Bernardo Jequete (Vanduzi)
20 de janeiro de 2017

Após o anúncio da trégua de dois meses, algumas famílias começaram a deixar o centro de acolhimento de Vanduzi, no centro de Moçambique. Mas a maioria dos deslocados prefere ficar e esperar por um cessar-fogo permanente.

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Foto: DW/B. Jequete

A violência militar que eclodiu no centro de Moçambique há mais de um ano obrigou muitas pessoas a abandonar as suas casas. O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) criou quatro centros de acomodação, onde alojou cerca de 6.000 pessoas.

Ao acampamento de Vanduzi, a pouco mais de 40 quilómetros da capital provincial de Manica, Chimoio, no centro do país, chegaram mais de mil deslocados. Depois da trégua de uma semana declarada a 27 de dezembro e prolongada por mais dois meses, pelo menos 20 das 133 famílias que se refugiaram aqui já abandonaram o centro. Umas voltaram às zonas de origem, outras foram para locais seguros.

Reportagem Refugiados Vanduzi - MP3-Stereo

Os que ficaram dizem que os 60 dias de trégua não são suficientes para regressarem a casa. Têm medo de voltar e pedem uma paz efetiva e duradoura. Entre eles está Marta Edson José, de 15 anos, que perdeu os pais em setembro do ano passado. Foram mortos por homens armados nas traseiras da sua casa, no distrito de Báruè.

"Ao vermos isso fugimos e nem conseguimos levar nada, nem sequer uma manta, nem comida", recorda. "Deixamos tudo para virmos para aqui." A jovem chegou a Vanduzi em outubro, na companhia dos três irmãos mais novos e de outros cidadãos da mesma região.

Fugir do conflito

Histórias como a de Marta José repetem-se no centro de acolhimento, aberto em outubro de 2016 no bairro 7 de Abril, nos arredores do humilde vilarejo de Vanduzi. Fugiram do conflito político-militar entre as forças governamentais e os homens armados da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), quando o principal partido da oposição se recusou a aceitar os resultados das eleições gerais de 2014 e começou a exigir governar em seis províncias onde reivindica vitória eleitoral.

Ana Simão Tcholo, de 39 anos, também foi obrigada a fugir de Báruè com os cinco filhos, "por causa da guerra" no distrito. "Nós saímos às pressas, deixamos tudo que tínhamos. Quando chegamos a Vanduzi contactamos o secretário, que nos recebeu e dirigiu-nos para este local em que estamos", conta.

O camponês Rafique Horácio Carimo, de 36 anos, saiu do povoado de Chiwala, igualmente por causa dos confrontos, que se agudizavam dia após dia. Veio com a mãe, irmãos e outros familiares. "Nós deixamos machamba, gado bovino, suíno, ovino e aves. Em Vanduzi, as autoridades governamentais deram-nos tendas, para além da alimentação", recorda.

Mosambik Straße zwischen Vanduzi und Tete
As escoltas militares entre Vanduzi e rio Luenha, em Manica, foram desativadas na sequência da tréguaFoto: DW/B. Jequete

Os refugiados saíram de vários pontos do distrito de Báruè, nomeadamente de Nhamatema, Chiwala, Inhazonia, Pungwe, Mussianhalo, precisa Joaquim Jeque, secretário da região onde estão acomodados. Diz que as tendas montadas em Vanduzi foram a solução encontrada para abrigar os deslocados das regiões afetadas pela tensão político-militar.

"Segundo depoimentos dos mesmos, homens armados da RENAMO têm ameaçado pessoas usando armas de fogo, matando animais, destruindo casas, levando comida da população", afirma Joaquim Jeque.

O maior partido da oposição moçambicana nega as acusações. O delegado político da RENAMO em Manica, Sofrimento Matequenha, acusa o partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), de usar as redes sociais para manipular as informações. "Nós sempre fomos verdadeiros, mas não temos o poder de usar as redes sociais", diz. "Conhecemos o regime, o que faz", sublinha Matequenha.

Traumas de guerra

Por causa do conflito, muitas crianças e jovens tiveram de desistir das aulas. "Saímos no povoado de Chiwala, o meu pai foi morto por causa da guerra e neste momento estou sem saber que fazer", lamenta Maria Joaquim, de 16 anos.

Mosambik Flüchtling in Vanduzi
Crianças sem aulas: uma realidade no centro de VanduziFoto: DW/B. Jequete

"Eu ainda sou criança. Estamos a ter aqui apoio do Governo, mas faltam ainda coisas que só poderiam ser dadas pelos meus pais".

O horror vivido por muitas crianças pode deixar marcas profundas. O conflito a que têm assistido pode criar traumas, que um dia poderão reflectir-se na vida adulta, lembra o psicólogo Nelson Arcanjo.

"A infância é uma fase muito importante do ser humano. É nesta fase que a criança tem de receber amor, carinho e o ensinamento da vida pelos pais. E tudo isso que os petizes passaram poderá ter uma repercussão na vida adulta", alerta o especialista.

Falta água e comida

Muitos deslocados contam que também estão a passar fome. Maria Francisco diz que estão há dois meses sem comida. "Sobrevivemos de frutos silvestres e mangas, que tiramos nas montanhas aqui muito perto do centro. As pessoas estão a sofrer aqui", relata.

Também Fernanda Sidónio Zeca lamenta as condições no centro de Vanduzi. Queixa-se que não há água potável suficiente e pede mais tendas."Queremos que o Governo nos conceda boas condições aqui no centro. As tendas devem bastar para todos. Há algumas famílias alargadas a quem não coube uma única tenda", diz.

O diretor geral do INGC, João Machatine, diz ter conhecimento das queixas dos refugiados e promete resolver os problemas até finais do primeiro semestre deste ano. "Por razões de ordem logística não conseguimos ter as tendas com antecedência, mas a situação será suprida", afirma.

A água vem da cidade de Chimoio e isso acarreta custos, explica Teixeira Almeida, delegado do INGC, que reconhece que situação é dramática. Admite ainda que o INGC está com dificuldades de abastecimento de água, mas já está a procurar soluções. "É uma situação que nos impõe grandes desafios. Havemos de reativar o abastecimento de água", assegura Teixeira Almeida.