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Recurso para extraditar Chang para Moçambique é "teimosia"

Maria João Pinto
12 de novembro de 2021

André Thomashausen, especialista em direito internacional, considera que recurso "só serve para ganhar tempo e atrasar o testemunho do senhor Chang". PGR tem medo do que Chang poderá revelar nos EUA, afirma.

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Südafrika Johannesburg | Prozess gegen Manuel Chang, ehemaliger Finanzminister Mosambiks
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet

Segundo o jurista André Thomashausen, teimosia e medo terão levado a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique, liderada por Beatriz Buchili, a decidir recorrer da decisão do Tribunal Superior de Gauteng, na África do Sul, de extraditar para os Estados Unidos (EUA) o ex-ministro moçambicano Manuel Chang, detido na África do Sul. 

O especialista em direito internacional aponta a ausência de fundamentos básicos para a PGR exigir em Moçambique o ex-ministro envolvido no escândalo das dívidas ocultas.

Em entrevista à DW África, o catedrático jubilado da Universidade da África do Sul não esconde o seu espanto perante a postura da Justiça moçambicana, que acusa de negar o direito à defesa de Manuel Chang.

DW África: O que acha desta decisão da PGR moçambicana? 

André Thomashausen (AT): Para mim é um espanto, porque já correu tanta tinta e já foi demonstrado tantas vezes que todo aquele pedido de extradição de Moçambique não tem fundamento. Não pode suceder. Faltam todos os requerimentos base. O mais básico para uma extradição é que só uma pessoa acusada de um crime ou julgada pode ser extraditada. Quando se testemunha, nunca se pode ser extraditado. Uma pessoa procurada como suspeita não pode ser extraditada.

A PGR, com a senhora [Beatriz] Buchili, que nunca se especializou em direito penal, é teimosa e quer insistir e vai gastar mais centenas de milhares de dólares numa ação que não pode conseguir algo. A única coisa que vai conseguir é prolongar a detenção do senhor [Manuel] Chang, aguardando extradição. Ele já está detido há 34 meses, o que é bastante longo, e agora vai aguardar mais uns seis, sete ou oito meses para esta petição ser rejeitada.

Beatriz Buchili
Beatriz Buchili, Procuradora-Geral da República de MoçambiqueFoto: DW/J. Carlos

DW África: E o que significa este prolongamento para Manuel Chang?

AT: Este prolongamento será de pelo menos seis meses, porque eles insistem e querem ter um acesso direto ao Tribunal Constitucional (TC) [da África do Sul]. Em nenhum país do mundo é possível. Vai demorar alguns meses antes de o TC considerar esse pedido e o senhor Chang não tem a sua oportunidade para se defender.

Um coacusado nos EUA, o senhor [Jean] Boustani, foi absolvido. É bem possível que o senhor Chang seja absolvido no dia em que conseguir apresentar-se em tribunal nos EUA, e quem está a impedir isso é a PGR de Moçambique, pelas razões óbvias. Eles têm muito receio, têm muito medo, daquilo que o senhor Chang poderá revelar lá nos EUA.

DW África: Qual é a viabilidade deste recurso? Acha que o Tribunal Constitucional terá uma visão diferente do Tribunal Superior?

AT: Acho quase impossível, porque, em qualquer parte do mundo, o acesso direto ao TC saltando por cima das instâncias normais só muitíssimo raramente é permitido, por muito boas razões. O TC não é um tribunal que vai considerar as circunstâncias, é um tribunal que pode julgar em última instância, após todo o processo concluído. Eles terão que concluir o processo de recurso e só depois poderiam apresentar-se ao TC.

Südafrika Ehemaliger Finanzminister aus Mosambik, Manuel Chang, vor Gericht
Audição de Manuel Chang, na África do Sul, em janeiro de 2019Foto: DW/M. Maluleque

DW África: Terá a PGR algum argumento novo a apresentar à Justiça sul-africana para exigir a extradição de Manuel Chang para Moçambique? 

AT: Inicialmente eles estavam a procurar a extradição de Chang como testemunha. Depois mudaram e disseram que era arguido. Mas um arguido, em direito português ou moçambicano, não é um acusado. É uma pessoa suspeita. É uma pessoa que a polícia quer interrogar, e isso não satisfaz na lei da extradição. Uma pessoa para ser extraditada tem de ser uma pessoa acusada ou julgada.

Ultimamente tem avançado a proposta de que Moçambique vai acusar Chang, mas isso é uma declaração de vontade e não um facto. Assim, o tribunal de Joanesburgo não teve outra alternativa que não decidir que Chang terá que ir ao lugar onde é acusado, que é Nova Iorque. Não sei se a PGR conseguirá avançar mais uma interpretação do caso. Em Moçambique, ninguém pode ser acusado em processo penal sem ter sido ouvido, e o senhor Chang nunca foi ouvido em Moçambique.

DW África: Partilha da visão do tribunal sul-africano de que a melhor opção seria enviar o ex-ministro moçambicano para os EUA?

AT: Absolutamente. Ao contrário de Moçambique, nada impede a extradição de Chang a partir dos EUA para Moçambique. Uma vez julgado nos EUA, poderá ser transferido para Moçambique. Ao contrário, se for agora para Moçambique, pela lei moçambicana, não poderá ser extraditado para um país estrangeiro. Os recursos que a PGR pretende agora apresentar só servem para ganhar tempo e atrasar o testemunho do senhor Chang no processo em Nova Iorque.

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