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RCA: "Mudança constitucional é um empreendimento delicado"

Jeff Murphy Barès
30 de abril de 2020

O ex-Presidente da República Centro-Africana François Bozizé acusa o atual Governo de querer eliminá-lo da política e de tentar ceifar a sua vida. Bozizé também critica os planos de reforma constitucional no seu país.

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Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Curtis

Desde que voltou do exílio, em dezembro de 2019, François Bozizé, ex-Presidente da República Centro-Africana (RCA), relutou em comentar os recentes acontecimentos no seu país. Numa entrevista exclusiva à DW, quebrou o silêncio. 

Após Bozizé sair do país, em março de 2013, um conflito sangrento eclodiu na RCA. Uma missão militar francesa fez uma intervenção no país entre 2013 e 2016 e, desde 2014, a Missão das Nações Unidas para a República Centro-Africana (MINUSCA) tenta estabilizar o país. 

Os líderes de vários grupos rebeldes assinaram um acordo de paz com o Governo em fevereiro de 2019, mas os confrontos violentos continuaram. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), desde 2013, cerca de 600 mil pessoas fugiram para os países vizinhos e um mesmo número deslocou-se nos limites do território do país.

DW África: Voltou ao seu país de origem após sete anos no exílio no Uganda. Quais são as suas ambições políticas?

François Bozizé (FB): Estou de volta há quatro meses. Com a reestruturação do meu partido [Kwa Na Kwa (KNK)], tenho um grande desejo de contribuir para a paz e a reconciliação no meu país.

DW África: As próximas eleições devem ocorrer em dezembro. Vai concorrer à Presidência?

FB: A sua pergunta vai ser respondida em breve durante um congresso do meu partido Kwa Na Kwa (KNK).

DW África: As Nações Unidas impuseram sanções contra si e há um mandado judicial contra si na RCA. Se for nomeado candidato, não acha que estes dois fatores reduziriam as suas chances de tornar-se Presidente?

FB: Não, acho que não. O procurador-geral [da RCA] declarou abertamente que não há nenhum processo contra Bozizé neste momento. Portanto, não vejo nenhuma razão para me preocupar. 

Zentralafrikanische Republik | Naturschutz in Krisengebieten | Soldaten vor dem Präsidentenpalast in Bangui
Em março de 2013, os rebeldes de Séléka tomaram a capital BanguiFoto: Getty Images/AFP/S. Kambou

DW África: O Governo da RCA está a trabalhar num projeto de reforma constitucional. Esta emenda estabelece que um Presidente pode permanecer no cargo, caso o seu sucessor não seja escolhido em tempo hábil devido a motivos de força maior. O que acha deste projeto?

FB: O projeto é inadequado e também delicado e perigoso. Confio na sabedoria do Presidente da República, de que vai reunir toda a classe política, todas as forças vitais da nação, para discutir e encontrar uma solução política mutuamente aceitável para os centro-africanos, em vez de usar a coerção.

DW África: A zona em que mora em Sassara, [bairro de Bégoua, cidade próxima da capital Bangui] foi recentemente isolada pela Guarda do Presidente. O seu partido fez uma declaração dizendo que a intenção era prendê-lo. Partilha dessa opinião?

FB: Sim, esta foi uma tentativa de prender-me. Houve várias ações nesse sentido. Havia também um drone que foi instalado sobre a minha residência. Tudo isto mostra que há tentativas de ceifar a minha vida. Não se pode negar isto.

DW África: Porque? Representa uma ameaça ao regime?

FB: Deve ser por causa da minha popularidade. Isto incomoda. É por isso que lutam com todos os meios para me afastar politicamente e, quem sabe, fisicamente.

Kenia Nairobi CAR Peace Initiative Bozize Djotodia
Michel Djotodia (dir.) com Bozizé em Nairobi, em 2015Foto: Getty Images/AFP/S. Maina

DW África: Como é hoje o seu relacionamento com Michel Djotodia, que o afastou do cargo e assumiu a Presidência da RCA em 2013?

FB: Tivemos uma reunião em Nairobi, no Quénia. Nesta primeira reunião, pudemos nos cumprimentar e lembrar o passado. Não nos vemos desde então. Queríamos conversar aqui em Bangui há dois meses, mas não funcionou. Talvez haja outra reunião no futuro.

DW África: Tem algum rancor em relação a Michel Djotodia?

FB: (risos) Não. Eu quero conversar com ele. Ele é um centro-africano. Ele tentou algo naquela época. Se funcionou ou não, o facto é que agora se trata do futuro. Temos que perdoar um ao outro e ver como podemos construir juntos o nosso país, que está a passar por momentos realmente difíceis.

Fugir da violência na República Centro-Africana

DW África: O que diria aos que o acusam de ser a causa da grave crise de segurança que levou ao domínio de terror dos rebeldes da coligação Séléka, que foi inicialmente apoiada por Michel Djotodia?

FB: A razão para os males da República Centro-Africana são aqueles que apoiaram esse "empreendimento destrutivo” naquela altura. Eu desempenhei o meu papel como chefe de Estado normalmente. E, então, veio a Séléka. Fomos à Libreville [a capital do Gabão] e implementei todas as recomendações de Libreville [um acordo de cessar-fogo entre a Seléka e o Governo da RCA]. Infelizmente, eles [os rebeldes] queriam, por fome de poder e a todo custo, os seus postos e avançaram para [as cidades de] Damara e Sibut, violando, assim, a linha vermelha. Não fui eu, foram eles que quiseram tomar estas duas zonas. Então, peguei meu helicóptero e deixei que eles fizessem o que queriam. E agora o país está infelizmente nesta situação em que nos encontramos neste momento. 

DW África: As notícias ainda são dominadas pela Covid-19. Como avalia as medidas atualmente implementadas na República Centro-Africana para controlar essa pandemia?

FB: Eu acho que as coisas estão bem normais. Aconselhamos a população a seguir as instruções dos chefes de Estado e de Governo. Também estamos a pedir ao Governo que melhore as instalações técnicas nos vários hospitais para lidar com a atual situação na República Centro-Africana.