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SociedadeRuanda

Quão seguro é o Ruanda para os migrantes?

Ben Restle
21 de junho de 2022

O Governo em Londres fechou um acordo para deportar imigrantes indocumentados para o Ruanda. O primeiro-ministro britânico afirma que o país africano é um dos mais seguros do mundo, mas os factos mostram outra realidade.

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Migrantes ilegais que desembarcam no Reino Unido devem seguir para o Ruanda Foto: Ben Stansall/AFP

O Reino Unido tem assistido a um forte influxo de migrantes que cruzam o Canal da Mancha vindos de França nos últimos anos. Enquanto em 2020 pouco mais de 8.000 fizeram a travessia em pequenas embarcações, no ano passado esse número subiu para quase 30.000. As autoridades britânicas esperam que os números deste ano ultrapasssem os números de 2021.

Na tentativa de impedir que mais pessoas se arrisquem na travessia, o Governo de Inglaterra assinou um acordo com o Ruanda em abril para deportar imigrantes indocumentados para aquele país do leste africano. Segundo o programa, os migrantes são incentivados a solicitar asilo, e a estabelecer-se e construir novas vidas no novo país. Em troca, o Governo britânico prometeu pagar o equivalente a 120 milhões de libras (cerca de 144 milhões de euros) para o Ruanda integrar os recém-chegados.

Um primeiro avião com deportados deveria partir do Reino Unido para o Ruanda em 14 de junho. No entanto, uma decisão de última hora do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR) suspendeu o voo. Mas o ministro do Interior britânico, Priti Patel, assevera que o Governo vai manter o plano e em breve agendará novos voos de deportação.

Großbritannien Rückkehr Boris Johnson Ukraine
Boris Johnson, primeiro-ministro britânicoFoto: Joe Giddens/AP Photo/picture alliance

Em abril, o primeiro-ministro Boris Johnson elogiou o esquema, falando do Ruanda como "um dos países mais seguros do mundo, reconhecido globalmente pelo seu histórico de acolhimento e integração de migrantes".

A DW fez uma checagem dos factos:

Seguro para quem?

O Ruanda tem sido apontado como um exemplo do desenvolvimento no continente africano devido à sua estabilidade e crescimento económico. No entanto, a Freedom House, uma organização não governamental dos EUA que classifica os direitos políticos e as liberdades civis no mundo, diz que o Ruanda "reprimiu a dissidência política através de vigilância generalizada, intimidação, tortura e suspeitas de assassinatos de dissidentes exilados". 

Ruanda | Emmanuel Macron in Kigali | Paul Kagame
Paul Kagame, Presidente do RuandaFoto: Jean Bizimana/REUTERS

Nesse sentido, a ONG classifica o Ruanda como um país "não livre". Nos últimos anos, mais de uma dúzia de políticos, jornalistas e outras figuras foi morta ou desapareceu depois de se manifestar contra o Presidente Paul Kagame ou contra a Frente Patriótica Ruanda (FPR). Um relatório da Human Rights Watch (HRW) conclui que "as autoridades judiciárias no Ruanda estão a processar judicialmente membros da oposição, jornalistas e comentadores com base nos seus discursos e opiniões".

O Ruanda certamente não é seguro para quem expressa opiniões divergentes, provocando a ira das autoridades. Como tal, os deportados britânicos não seriam aconselhados a falar contra o Governo ruandês. A afirmação do primeiro-ministro Boris Johnson é, portanto, enganosa.

Quão seguro é o Ruanda para minorias e grupos vulneráveis?

A Constituição do Ruanda proíbe a discriminação com base em "origem étnica, tribo, clã, cor, sexo, região, origem social, religião ou fé, opinião, situação económica, cultura, idioma, status social, deficiência física ou mental". Mas a HRW documentou vários casos de pessoas lésbicas, gay, bissexuais e transgénero (LGBT) que foram detidas arbitrariamente no Ruanda nos últimos anos. 

A própria página de conselhos de viagem do Governo britânico adverte que, no Ruanda, "indivíduos LGBT podem sofrer discriminação e abuso, inclusivamente das autoridades locais". O site também refere que "não há leis antidiscriminação específicas que protejam os indivíduos LGBT".

O Ruanda é evidentemente mais seguro para alguns grupos de pessoas do que para outros. A afirmação de Boris Johnson de elogiar o país como um dos mais seguros do mundo é claramente falsa.

Kenia | LGBTQ | ugandische Flüchtlinge in Nairobi
Ruanda é citado por várias organizações como sendo um país que reprime a liberdade sexualFoto: Brian Inganga/AP Photo/picture alliance

O histórico do Ruanda na integração de migrantes

Em 2013, o Governo de Israel e o Ruanda fecharam um acordo secreto para transferir imigrantes eritreus e sudaneses para aquele país da África Oriental. O esquema permaneceu operacional até abril de 2018.

Uma investigação da Universidade de Oxford de 2018, compilada com base em entrevistas realizadas com migrantes eritreus, descobriu que estes cidadãos ficaram sem os seus documentos de identidade à chegada ao Ruanda. Os investigadores escrevem que os indivíduos foram então "transferidos para um hotel vigiado e impedidos, sob ameaça, de sair". Os migrantes também explicaram que nenhum "teve a oportunidade de solicitar asilo".

Estas conclusões são corroboradas por uma reportagem publicada no jornal israelita Haartez naquele mesmo ano, que constatou que as autoridades ruandesas não reconheceram o direito aos migrantes de estar no país e se recusaram a emitir autorizações de residência para os mesmos. Sem documentos, segundo o relatório, os migrantes eram frequentemente "presos e encarcerados". Muitos migrantes acabaram por deixar o Ruanda mais tarde, em direção à Europa.

Mais recentemente, o Ruanda concordou em receber dezenas de migrantes presos em centros de detenção ​​da Líbia como parte de um acordo com a ONU e a União Africana. Não surgiram até agora relatos de maus-tratos ou más condições neste contexto.

O Ruanda apresenta um histórico misto no que diz respeito ao acolhimento de migrantes. Como tal, a afirmação de Boris Johnson de que o país é reconhecido por acolher e integrar os migrantes é enganosa.

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