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Primeiras, tímidas mudanças no Burundi

Cristina Krippahl
10 de julho de 2020

A viragem do Burundi no combate à Covid-19 suscitou expectativas de mudança no país. Mas as esperanças já foram frustradas pela nomeação de figuras controversas para o Governo do novo Presidente Evariste Ndayishimiye.

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Foto: Reuters/E. Ngendakumana

Ainda muito recentemente, durante a sua campanha eleitoral, Evariste Ndayishimiye tomou publicamente o partido do seu predecessor no que diz respeito à Covid-19. Pierre Nkurunziza não levou a pandemia a sério, insistindo que os burundeses não precisavam de tomar medidas de contenção, uma vez que estavam "protegidos por Deus". Embora a causa oficial da morte súbita de Nkurunziza em junho tenha sido um ataque cardíaco, acredita-se que ele tenha morrido do novo coronavírus.

Por isso, para muitos foi uma verdadeira surpresa quando, há poucos dias, o Presidente Evariste Ndayishimiye anunciou que a Covid-19 era "o inimigo mais perigoso do Burundi". Às palavras seguiram-se ações e, na segunda-feira (06.07), o Burundi lançou uma campanha de rastreio em massa e prometeu combater a propagação da doença. O país de 11 milhões de habitantes regista oficialmente 191 casos confirmados de Covid-19, incluindo uma morte. Mas acredita-se que os números reais sejam muito superiores.

A julgar pelo afluxo aos locais de teste recentemente instalados, os burundeses parecem estar aliviados com esta mudança de opinião. Mediator Nahimana e o seu marido estiveram entre os primeiros a serem testados. "O meu marido tem apresentado sintomas de coronavírus nos últimos quatro ou cinco dias. A mim dói-me a garganta. É por isso que ambos viemos para ser testados. O rastreio massivo é benéfico tanto para as pessoas sintomáticas como assintomáticas, para se inteirarem da sua saúde e de como se protegerem a si próprias e aos outros", disse Nahimana.

(DW/A. Niragira)
O novo Governo executou uma viragem total na estratégia de combate ao Covid-19Foto: DW/A. Niragira

Mulheres e minorias no poder

O programa de rastreio indica que Ndayishimiye está a levar mais a sério a ameaça da doença. Mas, mais que isso, "penso que isto pode ser um primeiro sinal de que este Presidente ainda nos vai surpreender e que será capaz de tomar decisões sem seguir cegamente os passos do seu antecessor", disse à DW Onesphore Sematumba, analista do instituto de pesquisa International Crisis Group (ICG).

O novo presidente anunciou a inesperada rutura com Nkurunziza no que toca à Covid-19 durante a tomada de posse do seu novo Governo. Aproveitou ainda a ocasião para mostrar alguma assertividade ao reafirmar a sua vontade de combater a inépcia e a corrupção. "Ele disse aos ministros do seu gabinete: 'Escolhi-vos pelas vossas capacidades. Mas há muitos burundeses que podem fazer o vosso trabalho e, se não estiverem à altura, depressa serão despedidos'. Pelo menos no discurso do Presidente pode sentir-se uma vontade de avançar para um novo Burundi", disse o analista Sematumba.

O público tomou especial nota da nomeação histórica da defensora dos direitos humanos Immelde Sabushimike para o cargo de ministra da Solidariedade, Assuntos Sociais, e Direitos Humanos. Foi primeira vez que  uma pessoa da minoria étnica batwa foi nomeada para um cargo de tão alto nível em toda a região dos Grandes Lagos. Apesar de representarem 1% da população no país, os batwa são tradicionalmente alvo de discriminação. "As pessoas com quem falei no Burundi também viram a nomeação de cinco mulheres para o gabinete de 15 membros como um bom sinal. Esta é uma obrigação constitucional. Mas sabemos que existem outros países na região, como a República Democrática do Congo, que têm uma obrigação constitucional semelhante, mas não a cumprem", disse Sematumba.

Coronavirus - Präsidentschaftswahl in Burundi
As eleições presidenciais de Maio de 2020 não foram consideradas livres ou democráticas pela comunidade internacionaFoto: picture-alliance/AP Photo/B. Mugiraneza

Os responsáveis

A oposição política não vê quaisquer sinais de mudança. Muito pelo contrário, dizem, salientando que o novo Governo é dominado pelos chamados "falcões" do regime de Nkurunziza. "Infelizmente esta foi uma oportunidade perdida", disse à DW Pancrace Cimpaye, coordenador europeu do Movimento para a Solidariedade e Democracia (MSD).

Apontando para a preponderância de generais com altos cargos no Governo, Aimé Magera, porta-voz do Conselho Nacional da Liberdade (CNL) disse: "Isto é uma tomada de poder militar. Eles querem impor-se pela força. Voltamos aos anos 80, quando o país era governado por uma junta militar".

A entrega da pasta do Interior ao general Gervais Ndirakobuca, ex-chefe dos temidos serviços secretos nacionais, não foi criticada só pela oposição do Burundi. Em 2015, Ndirakobuca, cujo apelido "Ndakugarika" se traduz por "vou enforcar-vos até estarem rígidos e mortos" na língua kirundi, foi sancionado pelos EUA e pela União Europeia pelo seu papel na repressão de quem se opôs ao terceiro mandato de Nkurunziza. A medida inconstitucional provocou protestos que resultaram em, pelo menos, 1.200 mortos e forçaram 400.000 pessoas a fugir do país. As sanções dos EUA aplicam-se também ao novo primeiro-ministro e general Alain Guillaume Bunyoni, um aliado crucial do falecido Nkurunziza.

Burundi Vereidigung Präsident Evariste Ndayishimiye
Muito dependerá da autoridade que o novo Presidente consiga ganhar Foto: Getty Images/AFP/T. Nitanga

Acto na corda bamba

O analista Sematumba partilha as reservas da oposição burundesa e vê estas nomeações como "mau sinal". "A este grupo é preciso acrescentar o recém-nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros Albert Shingiro. O antigo representante do Burundi junto das Nações Unidas foi uma pedra basilar do regime Nkurunziza, e defendeu com unhas e dentes a política externa do falecido presidente", disse Sematumba.

É caso para perguntar se nestas circunstâncias Evariste Ndayishimiye, a quem o analista chama "o menos perigoso dos generais", poderá cumprir a sua promessa de normalizar as relações com a comunidade internacional. Os doadores cortaram o financiamento direto ao Burundi quando Nkurunziza encerrou o gabinete de direitos humanos da ONU e o Burundi abandonou o Tribunal Penal Internacional. O súbito buraco no Orçamento de Estado exacerbou uma crise económica já profunda.

O décimo Presidente do Burundi tem pela frente um mandato de sete anos, ao abrigo de novas leis aprovadas pelo controverso referendo em 2018. À pergunta sobre o provável desenvolvimento político do país no futuro próximo, o analista Sematumba responde que a mudança dependerá sobretudo da extensão da autoridade de Ndayishimiye no sistema presidencial. Mas, ao mesmo tempo, vai ter de gerir cuidadosamente os interesses da velha elite. "Vamos ver se ele consegue construir algo de novo a partir de algo velho", conclui o analista.

Georges Ibrahim Tounkara e Antéditeste Niragira contribuíram para este artigo.