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Partidarização da CNE em Moçambique "não é retrocesso", diz analista

Nádia Issufo18 de fevereiro de 2014

O professor de Ciências Políticas e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane, João Pereira, comentou o acordo entre RENAMO e Governo que prevê a divisão da maioria dos assentos da CNE.

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Eleitor vota na Gorongosa durante as autárquicasFoto: Reuters

As negociações entre RENAMO e Governo em Moçambique acabaram levando a uma nova configuração da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e ao temor de um retrocesso na democracia do país. A CNE deverá ser composta por 17 membros, entre representantes de três partidos políticos, nomeadamente a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e Movimento Democrático de Moçambique (MDM) – o segundo maior partido da oposição – além da sociedade civil.

No entanto, a CNE contará com cinco integrantes da FRELIMO, quatro da RENAMO e um do MDM, o que poderia significar um desequilíbrio das forças politicas dentro da Comissão. O mesmo se repete na representação dos partidos no Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), que segue o critério de presença das siglas no Parlamento.

Tanto a CNE como o STAE também terão assentos para representantes da sociedade civil.

Em entrevista à DW África, o professor de Ciências Políticas e Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane, João Pereira, diz que não acredita que esta nova divisão da CNE seja um problema para o país. Ele coloca em questão o papel da sociedade civil moçambicana e afirma que a bipolarização é natural e faz parte do atual momento político de Moçambique.

DW África: O senhor não considera a nova partidarização da CNE um retrocesso ao processo de democratização?

João Pereira (JP): Eu pessoalmente acho que não. Nós estamos na construção do processo democrático, quando o nível de confiança dos atores, dos partidos e dos cidadãos em relação às decisões políticas é muito baixa.

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Muitas vezes, a falta desta confiança tem criado condições para potencializar este conflito. Se isto vai ajudar aos atores políticos – neste caso a RENAMO, o MDM e às outras forças políticas – a confiar mais na Comissão Nacional de Eleições e no STAE, então, à própria estabilidade do país, acho que é um risco que deve se correr.

DW África: Mas não há o risco de RENAMO e FRELIMO capturarem a CNE criando uma espécie de "bipartidarismo"?

JP: Sim, mas esta é a história deste país nos últimos 10, 15 anos. Sempre foi gerido dentro da lógica da bipolarização. Então, se os eleitores dão a legitimidade à RENAMO ou à FRELIMO para representar os seus interesses, não serão organizações da sociedade civil nem a vontade externa que vai impor esta vontade interna.

O sistema político moçambicano, neste momento, é bipolarizado e é a partir da bipolarização que vai se construir as decisões democráticas. Até que se chegue a uma altura que o próprio MDM ou outra força política consiga fazer frente à esta bipolarização.

DW África: E avançar com a sociedade civil, como havia sido feito anteriormente, não seria muito mais transparente e justo?

JP: Eu sou moçambicano e ando há muito tempo a procura da sociedade civil que não seja politizada. Todas as organizações da sociedade civil, direta ou indiretamente, têm seus interesses. E, muitas das vezes, quando você tem atores como, por exemplo, o partido FRELIMO, RENAMO, MDM ou outras forças políticas, que você não tem consciencia da sociedade civil, então como esta sociedade civil pode garantir a neutralidade se estes atores políticos não tem confiança nestas mesmas organizações da sociedade civil.

Então é um caso muito complexo que vai se construindo diariamente. E, se calhar daqui a 15, 20 anos, quando houver reformas profundas na sociedade, e, por outro lado, com uma classe média muito mais forte do esta que existe atualmente, talvez teremos instituições independentes. Este é um processo normal da construção e reconstrução do sistema político de Moçambique. Nós vamos ter estes momentos frquentemente pelos próximos cinco, sete, oito anos – que são momentos de avanços e recuos. Só assim que vamos construir as instituições políticas.

DW África: Existem duas outras instituições notadamente partidarizadas: o Conselho Constitucional e o Exército. Com esta repartdarização da CNE, o senhor acha que não há chance de despartidarização destes outras instituições?

JP: Nos próximos tempos, vamos ter uma situação muito semelhante a outros países africanos em processo de transição. Então, isto não é muito preocupante neste momento. Temos que criar condições para que as instituições se consolidem a partir do aumento da Educação e da Cidadania das pessoas. Segundo, a partir da mudança geracional em nível dos partidos políticos.

Mosambik Kommunalwahlen 2013
A CNE deverá ser composta por 17 membrosFoto: DW/L. Matias

Com esta mudança geracional, acredito que nos próximos 10, 15 anos, teremos condições suficientes de criar instituições políticas que não sejam muito capturadas pelas forças políticas – neste caso RENAMO e FRELIMO – mas que comecem a existir outros atores sociais e políticos. Por exemplo, a emergência do MDM também vai permitir a mudança do jogo político. A emergência de uma sociedade civil, de uma classe média e das academias mais fortes podem contribuir imensamente para o aumento da credibilidade e garantia de transparência e neutralidade das instituições políticas.

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