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PolíticaRepública Centro-Africana

O polémico referendo do Presidente da RCA

Philipp Sandner
29 de julho de 2023

Este domingo (30.07), os cidadãos da República Centro-Africana são chamados a votar uma reforma constitucional cujo texto oficial só foi divulgado recentemente. O grande vencedor deverá ser o Presidente Touadéra.

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Apoiantes do Presidente manifestaram-se no ano passado a favor do referendoFoto: Barbara Debout/AFP/Getty Images

No fundo, é uma votação sobre o futuro político de Faustin Archange Touadéra: o seu segundo e - de acordo com a lei atual - último mandato como Presidente da República Centro-Africana (RCA) termina em 2025.

Um "sim" à alteração constitucional no referendo deste domingo "colocaria o contador a zero", de acordo com fontes próximas do Presidente. De facto, o chefe de Estado, agora com 66 anos, poderia continuar a governar até ao fim da sua vida.

Questionada pela DW sobre este ponto, a ministra dos Negócios Estrangeiros centro-africana, Sylvie Baïpo-Temon, do partido MCU, no poder, garante que "o novo projeto constitucional dá ao povo uma liberdade de escolha absoluta".

"O que significa democracia? Democracia significa deixar as pessoas terem a sua liberdade", afirma.

O mesmo diz o chefe da campanha eleitoral, Evariste Ngamana, em entrevista à DW: "Querer limitar os mandatos significaria opormo-nos à vontade do povo. Isso é uma forma de ditadura", considera o também vice-presidente do Parlamento.

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Sylvie Baipo TemonFoto: BARBARA DEBOUT/AFP

Uma Constituição entre o desejo e a realidade

A República Centro-Africana passou por várias guerras civis nas últimas décadas. No decurso de um processo de democratização, a Constituição atual entrou em vigor em 2016 - pouco antes do início do primeiro mandato do Presidente Touadéra.

Do ponto de vista do Arcebispo de Bangui, Dieudonné Nzapalaïnga, este processo foi algo muito especial: "O Fórum de Bangui foi um momento único, porque pessoas de todos os espectros puseram tudo em cima da mesa. Disseram uns aos outros: 'Nunca mais!'"

Sete anos depois, na República Centro-Africana, não há sinais dessa atmosfera. Pelo contrário, desta vez as discussões sobre a revisão tiveram lugar em pequenos círculos, sem grande publicidade. O facto de o debate atual se centrar no Presidente pode também estar relacionado com o facto de as autoridades só terem publicado o texto completo da nova Constituição pouco tempo antes da votação - apesar de circularem vários rascunhos nas redes sociais.

Segundo o advogado nigeriano e especialista em democracia em África Samson Itodo, o atual projeto constitucional já não tem muito a ver com a ideia original de reforma. Inicialmente, tratava-se de uma reconciliação "para contrariar a instabilidade política e combater as desigualdades estruturais".

Só nos últimos meses é que ficou claro que o principal objetivo é ligar permanentemente o poder a Touadéra, diz Itodo: "Este é um processo ilegal que é totalmente oposto aos desejos e esperanças da maioria do povo centro-africano.

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Foto de arquivo (2020): Touaderá num comício eleitoral, em BanguiFoto: Andr.B/Xinhua News Agency/picture alliance

Muitos obstáculos à votação

O calendário era apertado e há muito ainda por esclarecer - não só no que respeita ao texto constitucional concreto que será submetido a votação. O referendo foi anunciado há apenas dois meses. Não há registo de eleitores, podendo ser apresentados quaisquer documentos de identificação, o que não favorece a transparência do processo. E a segurança nalgumas zonas do país também não está garantida.

Além disso, a Comissão Eleitoral Nacional ainda não conseguiu organizar as eleições regionais, que há muito deviam ter sido realizadas - e que foram novamente adiadas. A preparação do referendo constitucional, por outro lado, decorreu muito mais rapidamente, aponta o líder da oposição, Anicet Georges Dologuélé: "Precisavam de muito mais tempo e dinheiro. E de repente, num mês e meio, o dinheiro cai do céu e todos os problemas ficam resolvidos".

Os críticos do Presidente Touadéra há muito que se queixam de que a comissão eleitoral e o Tribunal Constitucional (TC) da República Centro-Africana estão nas mãos do Governo. No ano passado, por exemplo, Touadéra entrou repetidamente em conflito com o TC por causa das suas ações no decurso da reforma constitucional - e, pouco depois, destituiu a presidente do tribunal, Danièle Darlan.

E o TC poderá sofrer ainda mais alterações: um projeto da nova Constituição que circula na Internet prevê um TC com onze membros, dos quais três serão nomeados diretamente pelo Presidente. Até agora, apenas um dos nove membros do tribunal era nomeado pelo chefe de Estado.

Zentralafrikanische Republik Bangui | Russische Wagner-Kräfte sichern Präsident Faustin-Archange Touadéra
Membros do grupo Wagner integram o dispositivo de segurança do Presidente Touaderá nas vésperas do referendoFoto: Leger Kokpakpa/REUTERS

A Rússia ao lado do Governo de Bangui

Há outra questão que levanta suspeitas, segundo o líder da oposição: o facto de as urnas serem distribuídas por todo o país sem a ajuda da missão da ONU, a MINUSCA - e, portanto, de certa forma, sem a bênção da comunidade internacional. "Isto significa que não vamos assistir a um referendo, mas a algo cujo resultado já é conhecido de antemão", diz Dologuélé.

Além disso, o grupo russo Wagner enviou várias centenas de mercenários para Bangui para garantir a votação. A presença da Rússia continua, assim, a ser um fator decisivo. Por estes dias, a República Centro-Africana esteve também representada na cimeira Rússia-África, em São Petersburgo, para aprofundar as relações. Alguns observadores consideram que Touadéra está "refém" do Presidente russo Vladimir Putin.

A ministra dos Negócios Estrangeiros da RCA, Sylvie Baïpo-Temon, tenta desvalorizar este ponto: o seu país só tem contratos com a "parte oficial" da Federação Russa e não com grupos militares privados. Confrontada com a confirmação do próprio Governo de Moscovo da presença de mercenários Wagner no país, responde: "Wagner, Mozart - chamem-lhes o que quiserem. Estão por todo o lado". A França, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos também têm serviços militares privados, acrescenta.

Eric Topona e Eddy Micah Jr. contribuíram para este artigo.

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