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Nova Aliança não é adequada à realidade agrícola moçambicana

Nádia Issufo4 de junho de 2015

A União dos Camponeses Moçambicanos (UNAC) diz que a Nova Aliança, uma iniciativa dos G7 para combater a pobreza em África, é pouco adequada à realidade moçambicana e feita para beneficiar as empresas internacionais.

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Foto: DW/N. Carvalho

A Nova Aliança está a ser questionada pela UNAC. Trata-se de uma iniciativa que visa combater a pobreza nos países africanos, promovendo boas práticas agrícolas, e foi criada pelo G7, o grupo de países mais ricos e industrializados do mundo.

O diretor da UNAC, Luís Muchanga, está na Alemanha a participar na cimeira alternativa do G7 relativa à soberania alimentar. Em entrevista à DW África, Muchanga diz que a Nova Aliança beneficia as empresas internacionais e não as comunidades.

Luís Muchanga (LM): A questão é a perspetiva do que é que se pretende dentro desse modelo de cooperação, que é um modelo errado, sobre a forma como se sustenta. Por exemplo, uma das questões mais evidentes é que a Nova Aliança colocou uma série de condições para os dez países, entre os quais está Moçambique. Há uma série de reformas políticas que devem ser feitas nestes países para que possa ser implementada a iniciativa, e essas reformas passam, de certa forma, no nosso entender, por retirar aquilo que é a soberania camponesa dentro desse modelo.

Moçambique apresentou duas questões que permitem a sobrevivência das famílias camponesas: por um lado o recurso terra, e por outro lado a questão das sementes. Essas duas situações serão alvo de uma reforma no que diz respeito à questão da política para que a Nova Aliança possa ter lugar em Moçambique.

DW África: Em que medida é que este modelo privilegia o setor privado em detrimento das comunidades rurais?

Mosambik Agrarexperte Luís Muchanga
Luís Muchanga, diretor da UNACFoto: Inkota-Netzwerk

LM: Este modelo vai culminar numa situação que abre espaço para as empresas internacionais ou para o setor privado no que diz respeito às sementes, em detrimento das sementes locais. Ou seja, os camponeses não vão ter a liberdade que hoje têm de poderem eles próprios produzir, comercializar e trocar as suas sementes. Essas sementes terão de ser certificadas e a partir desse momento, reconhecendo que não existe essa capacidade por parte do campesinato para a certificação das sementes, está-se a abrir o espaço aqui para que os camponeses sejam apenas compradores e não produtores.

Por isso é que eu dizia que temos dois pontos que mantêm o campesinato hoje numa base de autonomia. Uma é a questão da terra, a outra é a questão das sementes. Essas sementes têm de entrar num processo de "privatização", o que vai impedir que os camponeses possam continuar a fazer aquilo que fazem há anos: produzir, trocar e venderem as suas próprias sementes.

DW África: Outro tema bastante polémico em Moçambique é a questão do uso e aproveitamento de terras. Grandes empresas começam a explorar regiões férteis, o que causa muito descontentamento e até revolta no seio das comunidades. Como é que enquadra isto no contexto deste modelo da Nova Aliança?

LM: Agora em Moçambique está a haver uma grande dinâmica e atribuição dos DUAT (Direito do Uso e Aproveitamento de Terra) como se fosse uma campanha: atribuem-se DUAT para garantir o controlo no acesso da terra aos camponeses. Em contrapartida, estamos a seguir também essa passagem massiva de terras para projetos de investimento. E isso tem trazido várias contestações, porque essa entrega de terra acaba por ser certamente uma forma de agro-negócio que é extensiva em termos de ocupação de terras. Os camponeses fazem sistema de pousio e aqui aparece uma informação que na minha opinião é uma especulação, que é haver em Moçambique muita terra, mas isso não é verdade.

DW África: A agricultura industrial é considerada importante para o desenvolvimento do país. No entanto, é bastante contestada. Será que há lugar para este tipo de agricultura em Moçambique ou é preciso desenvolver um modelo mais adequado à realidade moçambicana?

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LM: A resposta seria desenvolver um modelo mais adequado à realidade moçambicana, porque nós estamos a assistir em alguns casos a modelos de agricultura que fizeram para Moçambique baseados num contexto que não se adapta ao que temos realmente. Moçambique precisa de alimentos. Esta é a demanda que o povo moçambicano tem hoje para suprimir o défice que temos, que nos faz importar alimentos. Moçambique precisa de poder produzir alimentos e não de produzir no modo de exportação. Se sobrar tempo podemos adaptar isto para outras especialidades, e então produzir com o mote da exportação.

DW África: O que é que a UNAC espera desta contra-cimeira do G7 em relação à agricultura?

LM: A grande perspetiva é que se inverta o cenário. Esta cimeira não pode olhar para os países recetores como recetores de tudo. Tem de se olhar para esses países como recetores em termos de recursos financeiros para galvanizar a sua produção, mas respeitando aquilo que são as normas, as políticas e as legislações criadas ao nível de cada país. Só assim podemos ter um desenvolvimento sustentável, e só assim é que podemos ter uma cooperação assente naquilo que são as demandas que cada povo atravessa.

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