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Negócios na mira do Presidente Nyusi em visita a Paris

António Cascais20 de julho de 2015

Redução de dívida e investimentos fazem parte da agenda do Presidente moçambicano em França, mas Borges Nhamire, do CIP, quer ver clarificada a polémica aquisição de embarcações para a EMATUM.

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Filipe Nyusi Treff des Zentralkomitees von FRELIMO
Foto: DW/Leonel Matias
França e Moçambique vão celebrar um acordo de redução de dívida de 17 milhões de euros, durante a visita oficial de dois dias que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, iniciou esta segunda-feira (20.07), em Paris.

A visita serve, sobretudo, para aumentar a carteira de negócios entre os dois países, mas nem todos os negócios beneficiam o povo moçambicano, salienta Borges Nhamire, analista moçambicano do Centro de Integridade Pública (CIP), em entrevista à DW África.

DW África: Os negócios serão a principal prioridade nesta visita?

Borges Nhamire (BN): O que está na mente de qualquer moçambicano na altura desta visita é talvez o negócio mais promíscuo da nossa era. Aconteceu em França, durante a visita do anterior Presidente. Armando Guebuza negociou de uma forma um pouco obscura a compra de armamento e barcos de patrulha. Claro que sabemos que não se lançam concursos públicos para a compra de armas, mas há uma grande diferença entre o valor declarado e o valor efetivamente devido. Por isso, a nossa expetativa é de que a visita de Nyusi contribua para esclarecer este negócio e reduzir os níveis muito elevados de juros que Moçambique vai ter de pagar - se isso for possível – ou, simplesmente, tornar claro a todos os moçambicanos o que é que aconteceu naquele ano em que Guebuza regressou de França com um fardo muito pesado de 850 milhões de dólares em dívida.
Mosambik Borges Nhamire
Borges Nhamire, analista do Centro de Integridade PúblicaFoto: DW/J. Beck
Esse dinheiro beneficiou muito a França, foi uma grande injeção de capital para a construção dos barcos e criou oportunidades de emprego para os franceses que trabalham no estaleiro que estava na iminência de fechar. A França é um ator-chave neste negócio e, sendo uma nação ocidental e civilizada, esperamos que tenha a sensibilidade de explicar aos moçambicanos o que é que está a acontecer com este negócio.

DW África: Entretanto, o embaixador francês em Maputo disse que a polémica aquisição de embarcações para a empresa estatal pesqueira moçambicana EMATUM, ocultando a compra de material militar à revelia das contas públicas, não é assunto nas relações políticas entre Moçambique e França…

BN: Não concordo com o embaixador. Não podemos separar esses negócios feitos por empresários franceses com a sociedade moçambicana por serem negativos. Quando são positivos, a França colhe esses louros. Agora, só porque são negativos, a França não se pode distanciar. Claramente que são do conhecimento do Estado francês e nós, moçambicanos, pedimos que o Estado francês preste esclarecimentos sobre o dinheiro que ficou em território francês para pagar essas embarcações.

DW África: O objectivo desta visita é, segundo as agências internacionais, claramente económico. Nesse aspeto, Nyusi não parece ser muito diferente de Guebuza. Ou será que tem outro estilo e outras prioridades?

BN: Para o Presidente mostrar que é diferente do anterior, tem de o provar com acões. Até aqui, nada nos leva a crer que seja diferente. É preciso lembrar que Nyusi foi ministro da Defesa do Presidente Guebuza. Aliás, a primeira vez que chegou ao Governo foi por indicação de Armando Guebuza, para uma pasta extremamente sensível como a da Defesa. Portanto, é uma pessoa da confiança de Guebuza. E mais: neste processo todo de compra de armamento, que não se limita ao armamento da EMATUM - as embarcações que vêm de França -, o Presidente esteve sempre à frente como ministro da Defesa, este sempre extremamente envolvido no processo. Nyusi tem agora a oportunidade de provar que é diferente de Guebuza, pelo menos nesta questão da gestão das contas públicas.

[No title]

DW África: Outro tema que acompanha a visita de Nyusi a França é o assassínio do constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac, abatido a tiro por desconhecidos no centro de Maputo, em março, num crime que assumiu contornos políticos devido aos seus pronunciamentos jurídicos, frequentemente contrários às posições da FRELIMO, partido no poder. O que há para dizer sobre este caso no dia da visita de Nyusi a França?

BN: O caso do professor Cistac afigura-se mais urgente e mais pertinente, porque parece – não estou a dizer que é - um assassinato político. As declarações que Gilles Cistac fez, as entrevistas que concedeu, tinham um determinado posicionamento e, logo a seguir, ele foi assassinado. Faz lembrar o assassinato do jornalista Carlos Cardoso. Não estamos a defender que as instituições de justiça de Moçambique percam a sua soberania, no sentido de não serem elas a esclarecer o caso que aconteceu em território nacional e a um cidadão nacional. É preciso lembrar que Gilles Cistac era moçambicano, de nacionalidade adquirida. Mas, se olharmos para o contexto político em que isto aconteceu, dá para perceber que este assassinato foi muito estranho e parece que teve uma grande envolvimento político. Esperamos que este caso seja esclarecido.

A visita do Presidente a França, neste momento em que o caso ainda não está esclarecido, faz renascer essa expetativa, no sentido de encontrar os autores morais deste assassinato. Recorde-se que, há meses, a Polícia surgiu a falar de detidos em conexão com este caso, mas, para quem conhece a atuação da Polícia moçambicana, isto parece mais uma encenação. Normalmente, quando há detidos aqui em Moçambique, são apresentados perante as câmaras, são entrevistados pelos meios de comunicação, referem-se os seus nomes. Neste caso, nada aconteceu.
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