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Rogério Zandamela: O herói e vilão

Nádia Issufo
21 de novembro de 2018

Críticas ao Banco de Moçambique e ao seu governador são às centenas e com motivos. Mas há quem defenda que na base de certas posturas há uma causa maior. A ser verdade, será que a crise com a SIMO cegou os moçambicanos?

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Rogério Zandamela, governador do Banco de MoçambiqueFoto: DW/R. da Silva

Muitos têm o dedo acusador apontado para o Banco de Moçambique (BM) e o seu governador. Afinal a paralisação das ATMs e POSs por mais de três dias criou caos na vida do cidadão e na economia do país. E durante esse período, contra todas as expetativas, o órgão regulador remeteu-se ao silêncio.

Hoje Rogério Zandamela é visto entre outras coisas, como incompetente. O economista Roberto Tibana elucida que "o banco central tem uma grande responsabilidade por duas razões: uma, como grande parte integrante da Sociedade Interbancária de Moçambique (SIMO) com 51%, é o acionista do sistema. Segunda, ele conhece essa negociação que decorre há mais de dois anos e portanto era de se esperar que para um sistema tão crítico como este que o Banco de Moçambique estivesse preparado para o que desse e viesse."

E o economista lembra outro aspeto: "Mas também como regulador, supervisor e defensor até da segurança do próprio sistema de pagamentos, porque a responsabilidade da segurança e operacionalidade do sistema de pagamento do país e do sistema financeiro é do banco central. E acresce o facto dele se ter tornado acionista maioritário de pagamentos que, de facto, cobra a maior parte das operações bancárias excluindo o BIM e mais um outro pequeno banco."

Onde está o plano "B" do BM?

Banken Mosambik - Banco de Moçambique
Sede do Banco de Moçambique em MaputoFoto: DW/R. da Silva

Roberto Tibana defende ainda que o banco central tem a responsabilidade de se precaver com um plano B, uma vez que era do seu conhecimento que as conversações com a Bizfirst, empresa que disponibiliza o software crucial para o funcionamento do sistema, não corria bem.

E ao "xerife", como é apelidado em Moçambique, o economista colocaria a seguinte questão: "O que diz o seu business continuity plan (o plano de continuidade de negócios) para uma situação destas na gestão do sistema de pagamentos no país?"

"Porque em qualquer organização de vulto existe um business continuity plan, que muitas vezes é um backup do sistema, de software e até de sistemas paralelos que podem entrar imediatamente e com uma certa perspetiva quando há uma falha do sistema principal as pessoas saberem quando o sistema entra em funcionamento", esclarece o economista.

O Governador do Banco Central vincou nesta terça-feira que estava fora de questão um acordo com a Bizfirst, alegando que estava em questão a soberania do país. Estranhamente, momentos depois os bancos comerciais anunciaram que afinal voltaram aos serviços da Bizfirst pagando cerca de cinco milhões de euros.

Regulador foi ou não desautorizado?

BCI
Foto: DW/Johannes Beck

O jornalista Lázaro Mabunda não tem dúvidas: "Ele praticamente já ficou fragilizado e se for uma pessoa com princípios a partir de já não haverá condições para continuar como governador do BM por uma razão simples: ele tomou uma decisão e o Governo que o colocou no BM para fazer um trabalho digno ao apoiar os bancos deu-lhe as costas."

E o jornalista revela: "A informação que temos é de que o primeiro ministro reuniu-se ontem com os bancos para tomar uma decisão. Claramente que o bancos não iriam tomar uma decisão dessa natureza sem o apoio do Governo."

Mas Roberto Tibana tem um parecer diferente, o economista é mais pragmático sustentando que "este não é essencialmente um problema de regulação ou desautorização, é um problema de negócios. Os bancos comerciais estão a ver os seus negócios prejudicados por uma situação cuja solução está em suas mãos e a solução foi essa."

"Enquanto o banco central não vier com uma solução que satisfaça os bancos comerciais os bancos tem de fazer isso para dar continuidade aos seus negócios. Acho que os bancos agiram muito bem. O governador do BM deve trazer uma solução e estou em crer que quando o BM trouxe a solução que convém aos bancos comerciais eles vão implementar", apoia Tibana.

Zandamela: arrogância ou frontalidade?

Em meio a tantas críticas, muitos são os que defendem que Zandamela deve colocar o seu lugar à disposição. É caso para tanto? "Não sou desse ponto de vista,  acho que deve procurar encontrar uma solução com toda a modéstia, seria digno", responde o economista.

O "xerife" é catalogado como duro e arrogante nos seus pronunciamentos. E o moçambicano, de uma forma geral, não lida bem com a frontalidade. Mas é caso para questionar: Rogério Zandamela tem modéstia o suficiente para gerir situações de crise como estas?

Tibana considera que "devia ter, mas infelizmente está a dar sinais. E às vezes por ter razão em certas coisas, mas não ganha nada em ser demasiado robusto e defensivo como tem pretendido ser. Acho que esse perfil não ajuda, é um perfil que nunca vi  num governador de um banco central, nem em Moçambique e nem fora."

O que não interessa ver agora

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E para Mabunda defender a soberania do país, como fez Zandamela, é mais do que narrativa. Ele defende que é até uma tarefa que ultrapassa o governador do banco central: "Para mim esta é uma questão que nem devia ser abraçada pelo governador do BM, devia ser abraçada pelo Governo. A primeira coisa seria identificar os responsáveis que estiveram na origem de trazer essa empresa para cá."

"Os bancos estão unidos e vão fazendo os seus lobbies que estão a resultar. O que os bancos querem é continuar a viver desse dinheiro sujo, que alimenta o sistema financeiro moçambicano", alerta Mabunda.

Entretanto, parece que a crise com a SIMO cegou muita gente. Os feitos do "xerife", considerados ímpares, não são invisíveis. Segundo Mabunda, Rogério Zandamela foi corajoso ao penalizar este ano bancos que cometeram ilícitos.

O jornalista lembra que um dos cancros do sistema financeiro é ser oleado por dinheiro sujo, justamente o que o BM quer acabar ao terminar relações com empresas consideradas suspeitas como a Bizfirst:

"Os comunicados do BM são claros quanto a isso, estão lá os artigos para justificar que as operações realizadas por determinados bancos enquadram-se na lavagem de dinheiro ou de combate ao terrorismo. E nenhum banco emitiu um comunicado a negar isso. A verdade é que os bancos moçambicanos têm esse perfil, de serem os bancos mais lucrativos do mundo", denuncia o jornalista.

Banken Mosambik - Nosso Banco
ATM de um banco moçambicano em MaputoFoto: DW/R. da Silva

Bizfirst: houve concurso público?

Por outro lado a Bizfirst terá entrado para o mercado moçambicano, antes do consulado de Zandamela, sem concurso público, apenas com uma adjudicação. É uma empresa registada na Europa e, segundo Zandamela, sem grande expressão.

Mabunda diz que "o Governo compactua porque são figuras ligados ao Estado que fizeram estes negócios e o Governo nada fez para combater este tipo de situações."

Quanto tempo resistirá o "xerife" no "Texas"? Não sabemos. Mas o jornalista Mabunda recorda que os cartéis têm preferência por instituições fragilizadas e fazem o que podem para afastar quem tudo faz para as fortalecer.