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Moçambique: Força local demonstra "fragilidade do Estado"

29 de dezembro de 2022

O analista Víctor da Fonseca criticou a decisão parlamentar de legitimar a criação da força local para combater o terrorismo em Cabo Delgado. Para o jurista, a decisão mostra as "fragilidades" do Estado moçambicano.

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Mosambik | Unruhen in der Provinz Cabo Delgado
Foto: Camille Laffont/AFP/Getty Images

A decisão do Parlamento moçambicano em aprovar a revisão da lei da Defesa e das Forças Armadas, que legitima a atuação da designada "força local", gera controvérsia na sociedade moçambicana.

Os principais partidos da oposição moçambicana insurgiram-se contra o diploma. A Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) votaram contra a legitimação da Força Local.

Segundo o Governo de Moçambique, a força local foi estabelecida para "reforçar o papel das Forças de Defesa e Segurança no combate e contenção do alastramento das incursões terroristas, proteção dos assentamentos comunitários e infraestruturas públicas e privadas".

Mas jurista ouvido pela DW não concorda com a decisão governamental. Víctor da Fonseca diz que a legitimação da força local só veio a "demonstrar a fragilidade de segurança do Estado em combater o terrorismo em Cabo Delgado", norte de Moçambique.

Jurista Víctor da Fonseca
Jurista Víctor da Fonseca Foto: privat

DW África: O que significa a aprovação desta lei que legitima a atuação da força local e que impacto trará no combate ao terrorismo em Cabo Delgado?

Víctor da Fonseca (VF): Isto demonstra mais uma vez a fragilidade da segurança moçambicana no que diz respeito ao combate ao terrorismo. Porque se nós queremos perceber ou fazer uma retrospetiva do que aconteceu na guerra civil, como também durante a guerra colonial, vamos ver que não se usou a força local, mas houve uma estratégia mais apurada dos nossos líderes, na altura, que garantiam uma estratégica mais plausível para combater o inimigo de uma forma fidedigna. O que quer dizer que esta lei, mais uma vez, vai criar questões de criminalidade a nível da jurisdição moçambicana, porque vamos entender que o Governo neste momento acha que tem o poder de criar ou garantir o respeito e pela observância da dignidade da pessoa humana. Nesta vertente, para mim, esta lei não vai poder desmantelar ou inibir a questão das incursões do terrorismo a nível de Cabo Delgado e outras províncias que neste momento estão na incidência do terrorismo.

DW África: Acha normal, num Estado democrático e de direito, a presença desta força local?

VF: Eu costumo dizer que a primeira função de um Estado é garantir a segurança. A segunda, bem-estar e a última, justiça social. O que demonstra, mais uma vez, que é uma fragilidade do nosso Estado moçambicano, sem saber o que deve fazer relativamente o que está a acontecer a nível de Cabo Delgado.

DW África: Então, a legitimação para atuação da força local não trará diferenças no combate ao terrorismo em Cabo Delgado. É isso?

VF: Naturalmente, temos um exemplo concreto: neste momento, Moçambique pediu ajuda às forças da SADC e também a Ruanda, mas mesmo assim ainda há incursões, ainda há desmandos, ainda há homicídios, ainda há terrorismo, há crimes hediondos a serem perpetuados a nível de Cabo Delgado. Então, essas forças servem para quê? Eis a questão.

DW África: Citou as "forças amigas", as tropas da SADC e do Ruanda. Esta força local não seria uma forma de reforçar a atuação destas "forças amigas"?

VF: Não. Nós temos lá as forças amigas de Cabo Delgado, a extensão militar da SADC e também os ruandeses. Para mim, a força local não deve ser composta pelos ex-combatentes. Porque os ex-combatentes são pessoas que naturalmente já entraram numa idade em que não estão mais capacitadas e algumas delas estão na reserva. Alguém que está na reserva, com uma idade mais avançada, ainda tem capacidade de correr pela mata, ainda tem capacidade de correr para pelejar contra o inimigo?

DW África: Acredita que haverá margem para a fricção desta força com as Forças Armadas de Moçambique?

VF: Obviamente, eu acredito que se tivermos um Governo com capacidade militar e estratégica, até pode haver uma consonância entre as Forças de Defesa e a força local. Sabemos que essa força local é, naturalmente, os ex-combatentes que certamente pelejaram em tempos na guerra há 47 anos. Ou seja, Moçambique é um país independente há  47 anos, mas em termos de segurança do Estado, não se verifica efetivamente a robustez no controlo deste princípio da legalidade.

Futebol contra o terrorismo em Cabo Delgado

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