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CIP considera discriminatório acordo de segurança com Total

Lusa | ms
21 de setembro de 2020

O Centro de Integridade Pública entende que o Governo moçambicano e a Total ignoraram o impacto do conflito armado nalguns pontos da província de Cabo Delgado. E defende um entendimento "abrangente" nesta zona do país.

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Exploração de gás no Rovuma (foto de arquivo)Foto: ENI East

A 24 de agosto, a multinacional francesa Total anunciou uma revisão do memorando de entendimento celebrado com o Governo de Moçambique para a operacionalização de uma força conjunta para a segurança do projeto de gás natural do consórcio da Área 1 da bacia do Rovuma, no norte do país.

Numa análise ao acordo feita esta segunda-feira (21.09), o Centro de Integridade Pública (CIP) considerou esse acordo discriminatório. Segundo a organização não-governamental (ONG) moçambicana, o executivo e a Total ignoraram o impacto do conflito armado noutros pontos da província de Cabo Delgado, ao incidir geograficamente a atuação do entendimento na Área 1 - Afungi, distrito de Palma.

Mosambik Cabo Delgado | Total
Foto: Reuters/R. Duvignau

"Tratando-se de um documento importante que prevê medidas face ao conflito em Cabo Delgado, com vista a proteger os investimentos realizados naquela província e garantir os benefícios da exploração de recursos de uma forma geral, seria de esperar que o mesmo envolvesse outras empresas que igualmente operam naquela zona do país", defende o CIP.

Por outro lado, defende ainda a ONG, os distritos e localidades assolados pela ação de grupos armados estão interligados, situação que impõe uma maior cobertura das estratégias de segurança face à violência armada.

"Importa realçar ainda que o memorando de entendimento [entre Governo e Total] terá impacto direto na vida das comunidades locais, do empresariado da província, na capacidade de fiscalização do Instituto Nacional de Petróleos [INP], do Instituto Nacional de Minas [Inami] e na vida dos moçambicanos, em geral", observa o CIP.

Acordo afeta soberania de Moçambique?

A organização assinala igualmente que o acordo afeta a soberania nacional de Moçambique, porque delega matérias de segurança nacional a uma empresa que persegue interesses estritamente privados.

O CIP ressalva que as despesas resultantes do acordo devem ser reguladas, tendo em conta que os custos vão onerar os investimentos do projeto de consórcio e baixar as receitas fiscais do Estado moçambicano. "O facto de se manter o memorando de entendimento como um documento confidencial dificulta ainda mais a monitoria aos custos recuperáveis por parte do regulador", refere a análise do CIP.

Infografik Karte Mosambik Gasfelder PT

A organização considera compreensíveis as preocupações da Total com a segurança do seu empreendimento na bacia do Rovuma face aos ataques armados na região, mas ressalta que qualquer iniciativa nessa matéria deve ser "abrangente". Nesse sentido, continua, a abordagem sobre segurança deve merecer maior coordenação entre as instituições estatais e as empresas do setor extrativo, nomeadamente na resposta através de "força conjunta". 

Na sequência do acordo celebrado em agosto,  a petrolífera francesa referiu, em esclarecimentos à Lusa, que "a revisão do memorando de segurança reflete o aumento das atividades na fase de construção e a mobilização de uma maior força de trabalho".

Investigação independente a denúncias de abusos

Cabo Delgado é palco há três anos de ataques armados por forças já classificadas como terroristas. A violência provocou uma crise humanitária com mais de mil mortos e cerca de 365.000 deslocados internos.

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Analistas moçambicanos defendem a criação de uma comissão "independente e credível" para investigar denúncias de violações de direitos humanos na província, em reação a vários pedidos de investigação - o mais recente da Comissão Europeia, que na semana passada considerou "extremamente chocante" o recente relatório da Amnistia Internacional sobre violações de direitos humanos no norte de Moçambique que a organização atribui às Forças de Defesa e Segurança (FDS).

O Governo deixa a porta aberta a averiguações, mas tem referido que os vídeos em que se baseiam as denúncias são "propaganda" dos insurgentes que Moçambique enfrenta.

"A pressão está a aumentar, esperamos e apelamos para que o Estado responda de forma positiva e crie condições o mais rapidamente possível", disse o diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga.

O Estado moçambicano "só tem a ganhar" com a investigação, pois esta vai permitir que se afastem "as suspeitas e pressões" de organizações nacionais e internacionais, disse à Lusa o jornalista e analista Fernando Lima."Se o Estado se quer distanciar a sério e na prática, tem de permitir uma investigação", sublinhou.

Borges Nhamire, investigador do CIP, considera que as investigações feitas pelo Governo "não dão em nada", lembrando outros casos que ocorreram no país."Este país está cheio de investigações que não trazem resultados. Para sair informação concreta tem de haver uma investigação independente", reiterou.

Já o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) de Moçambique, Luís Bitone, considera que é preciso "abrir caminho para uma investigação independente sobre esse tipo de situações, para dissipar todas as dúvidas possíveis"

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