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LiteraturaMoçambique

Modelo digital propicia paridade, avalia tradutora literária

Nádia Issufo
13 de março de 2021

À DW, tradutora literária moçambicana Sandra Tamele diz que viu prolongada a sua participação na Feira do Livro de Frankfurt devido à pandemia e que digitalização propiciou-lhe estar "ombro a ombro" com grandes editoras.

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Sandra Tamele | Übersetzerin in Mosambik
Sandra TameleFoto: Igor Rothemberger

Sandra Tamele é como uma flor no deserto, quando o assunto é tradução literária em Moçambique. Como a própria jovem se auto-avalia, um caso "atípico", que não se deixa murchar com a descrença de que o mercado editorial não tem pernas para andar no seu país. E a sua forte convicção levou-a à maior feira do livro do mundo, a de Frankfurt, com abordagens candentes como a inclusão.

Desde 2020, a tradutora literária participa da Feira do Livro de Frankfurt.

Em entrevista exclusiva à DW África, a também proprietária da Editora Trinta Zero Nove e da empresa de traduções SM, revela como chegou à maior feira do género no mundo.

Sandra conta-nos que as minorias estão no foco do seu catálogo atual que, apesar de apresentar apenas quatro publicações, encontrou um lugar ao sol no mundo digital que se instalou devido à pandemia da Covid-19.

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DW África: O que tem trazido na mala, desde 2020, para a Feira do Livro de Frankfurt?

Sandra Tamele (ST): A feira de Frankfurt caiu-me quase que no colo. Foi assim: fiz uma subscrição a uma newsletter [boletim informativo] e eles desafiavam-nos, como editores de país em vias de desenvolvimento, a nos candidatarmos ao programa de convidados. E então, fui aceite em 2020. Por causa da pandemia, o programa estendeu-se por dois anos. Portanto, fizemos virtualmente em 2020 e em 2021 estamos a fazer em combinado – meio virtual, meio presencial por causa das restrições impostas pela pandemia.

Nós temos apresentado um catálogo e no ano passado o foco era o infanto-juvenil. Para a Trinta Zero Nove o infanto-juvenil é uma novidade. Então, este foco de Frankfurt no infanto-juvenil inspirou-nos. Tanto que entramos no programa com um catálogo de quatro títulos e já vamos com 20 títulos para crianças. Nós trazemos algumas coisas que são feitas em Moçambique porque é necessário mostrar aquilo que é a nossa literatura e aquilo que se está a fazer mas - por característica da editora, nós publicamos tradução - vamos mostrar, porque o nosso foco é nas minorias. Focamos na questão da deficiência e procuramos livros e narrativas de pessoas com deficiência ou sobre pessoas com deficiência.

Em todo o mundo, fazemos uma pesquisa daquilo que são os livros que são recentemente lançados por mulheres, porque as mulheres em Moçambique têm muito pouca visibilidade e uma voz muito fraca naquilo que é editoria. Então, ao trazer essas narrativas de mulheres, de pessoas com deficiência, de pessoas de minorias de raça ou sexuais, pensamos em promover uma mudança naquilo que é o panorama literário local.

Sandra Tamele | Übersetzerin in Mosambik
Sandra TameleFoto: Mariano Silva

DW África: A Feira do Livro de Frankfurt é a maior do género no mundo. Normalmente, considerados pequenos como Moçambique não têm tido espaço suficiente. Esta oportunidade que se abriu, que apreciação merece do seu lado?

ST: Somos a segunda editora moçambicana que participa na feira de Frankfurt e, então, isso é extremamente encorajador, porque Moçambique é um pequeno país na África Austral que é quase que ilhado, porque estamos geograficamente situados numa ilha da língua inglesa e aquilo que é produção em língua portuguesa quase que não tem nenhuma projeção. Então, podermos levar os nossos trabalhos a uma feira como a de Frankfurt é gratificante, encoraja-nos a continuar. Porque estamos a falar dum país de 29 milhões de pessoas, mas cuja maioria não tem condições de comprar um livro porque o livro continua a ser um item de luxo. Não é como a Alemanha onde as crianças, desde muito cedo, consegue e existem livros disponíveis para crianças com idades a partir de um ano quase e a um preço abaixo de um euro. A realidade em Moçambique impossibilita o acesso ao livro a muita gente. Então, poder estar ombro a ombro, eu sendo uma editora micro, estar par a par com grandes multinacionais da editoria é um mundo.

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Em 2020, Feira do Livro de Frankfurt aconteceu de forma digitalFoto: Frank Rumpenhorst/dpa/picture-alliance

DW África: Estas feiras gigantes, como a de Frankfurt, não dão muita visibilidade aos mercados considerados marginais como o moçambicano. Entende a sua participação como um primeiro passo ou um passo tímido com vista à inclusão?

ST: Eu não direi tímido. Foi um passo bastante arrojado, porque não estou lá só eu. Somos 20 e, como disse, não somos o primeiro grupo. Mas foi um passo bastante arrojado porque se pensarmos que de cada vez que há uma edição da feira temos 20 países com 20 pequenas editoras que têm este impacto, que têm o seu catálogo exposto durante dois anos para o mundo ver, muda completamente a narrativa.

DW África: E para a dinâmica do seu trabalho, a pandemia da Covid-19 trouxe alguma alteração?

ST: O facto de a pandemia ter assolado o mundo obrigou as feiras a irem para o modelo digital. Penso que no modelo digital, quase que começamos a ter paridade, porque participamos em sessões em que estávamos com as grandes editoras alemãs e deu para ver. O meu catálogo entrou com quatro obras e estive ombro a ombro com editoras com 300 títulos novos por ano. Então, penso que o digital acabou igualando aquilo que são as possibilidades. Portanto, os catálogos estão lá expostos da mesma maneira, têm a mesma capacidade de talvez serem encontrados - talvez muito mais fácil do que o pavilhão que estará lá escondido e com talvez meio metro quadrado de área para expor os livros. Então, o digital foi uma mudança muito importante.

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