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ConflitosMarrocos

Marrocos é primeiro país africano a enviar tanques para Kiev

Jennifer Holleis
27 de janeiro de 2023

A decisão marroquina de enviar tanques para a Ucrânia, revelada pela imprensa, é tida como uma mudança na política externa do país. E Marrocos não o faz só por acreditar na causa ucraniana.

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Rei Maomé VI de Marrocos
Foto: Abdeljalil Bounhar/AP/picture alliance

Marrocos foi recentemente alvo de muitas críticas por parte do Parlamento Europeu pelo facto de, no início de janeiro, a Justiça marroquina ter condenado dois jornalistas, Omar Radi e Soulaimane Raissouni, a seis e cinco anos de prisão, respetivamente.

Os jornalistas alegam que foram processados por causa das críticas que fazem às autoridades marroquinas. Em resposta, membros do Parlamento Europeu exortaram Marrocos a "respeitar a liberdade de expressão e de imprensa".

A relação da União Europeia (EU) com Marrocos já estava tensa após o escândalo de corrupção que abalou o Parlamento Europeu, em dezembro. Membros do organismo europeu foram acusados de aceitar subornos do Catar e de Marrocos - acusações que têm sido repetidamente negadas por ambos os países. O ministro dos Negócios Estrangeiros marroquino, Nasser Bourita, queixou-se de "assédio" por parte dos europeus.

As atuais tensões com o Parlamento Europeu colocaram Marrocos numa "situação difícil face aos europeus", confirmou Isabelle Werenfels, membro do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP).

Jornalista marroquino Omar Radi
O jornalista marroquino Omar Radi foi acusado de abuso sexual, mas nega as acusações e diz que as autoridades do país o querem silenciarFoto: Abdeljalil Bounhar/AP/picture alliance

Mudança de posição

No entanto, esta semana, Marrocos deu um passo que parecia ser em direção à Europa.

De acordo com relatos da imprensa, Marrocos tornou-se o primeiro país africano a enviar armas pesadas para a Ucrânia. Deverá entregar 20 tanques de combate do tipo "T-72B".

A decisão representa uma mudança significativa em relação à posição anteriormente neutra de Marrocos face à invasão russa da Ucrânia, bem como uma clara viragem, alinhando-se com a Europa e os EUA. Na votação de março de 2022, no Conselho de Segurança da ONU, para condenar a invasão russa da Ucrânia, Marrocos e outras nações africanas abstiveram-se.

Segundo um artigo do noticiário argelino MENA Defense e de outros meios de comunicação internacionais como a Newsweek, Süddeutsche Zeitung e NZZ, Marrocos já tinha concordado em enviar os tanques para a Ucrânia em abril do ano passado, durante uma reunião na base militar alemã Ramstein. Em troca, os EUA tinham aparentemente prometido fornecer apoio financeiro e militar.

No entanto, esse acordo com os Estados Unidos de América e a notícia de que Marrocos enviará tanques só foram tornados públicos esta semana. O anúncio surgiu pouco antes do ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, ter iniciado uma digressão por cinco países africanos. Lavrov tinha inicialmente planeado visitar Marrocos no início de fevereiro.

"[Isto] marca um revés nas tentativas da Rússia de manter o continente do seu lado, ou pelo menos neutro, particularmente dentro da ONU", disse à DW Alice Gower, diretora de geopolítica e segurança da empresa de consultoria Azure Strategy, sediada em Londres. "Os Estados africanos têm sido cuidadosos na sua abordagem, abstendo-se ou rejeitando as várias resoluções da ONU que condenam a Rússia".

Motivações de política externa

O movimento de Marrocos também vem como forma de contrabalançar a influência e o progresso da Argélia, afirmam os analistas.

"As tensões de longa data sobre o Sahara Ocidental com a vizinha Argélia, um dos aliados africanos mais próximos de Moscovo, terão sem dúvida alimentado os cálculos de Rabat [sobre o envio de tanques para a Ucrânia]", disse Gower à DW, acrescentando que, "desta forma, Marrocos tem um pouco de influência para pedir ajuda às potências ocidentais no caso da influência de Moscovo na Argélia se tornar desconfortável".

Grande parte da tensão entre os dois países provém da sua disputa sobre a região do Sahara Ocidental. Marrocos assumiu o controlo do Sahara Ocidental, uma antiga colónia espanhola, em 1975. A Argélia apoia o grupo da Frente Polisario, que exige o fim do controlo marroquino na região.

Marrocos
Marrocos quer ser líder no continente em energias verdesFoto: Ute Grabowsky/photothek/picture alliance

Marrocos está também preocupado com os laços cada vez mais positivos da Argélia com as nações europeias. No início desta semana, a Argélia e a Itália assinaram uma série de memorandos de entendimento durante uma visita de dois dias da líder italiana Giorgia Meloni. O plano é transformar Itália numa plataforma energética para a Europa, utilizando gás natural argelino. A Argélia já é o maior fornecedor de gás da Itália.

Em termos de concorrência com a Argélia, Marrocos está também a avançar com os seus planos de "tornar-se o primeiro país do norte de África a exportar hidrogénio verde em grande escala", disse Werenfels, do SWP.

"Algo mudou no paradigma da cooperação com Marrocos, e dá para ver que com os outros Estados da região também", continuou Werenfels. "Ambos os Estados querem, em última análise, ditar os termos da cooperação com a Europa. Marrocos alimenta uma visão de si próprio como potência regional".

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