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"Canal de Moçambique" denuncia pressão política

27 de dezembro de 2018

Em entrevista com a DW África, Matias Guente, editor do "Canal de Moçambique" diz suspeitar que intervenção política impediu a publicação da última edição do ano do semanário.

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Foto: Fotolia/Vladimir Voronin

O jornal "Canal de Moçambique" não saiu para as bancas na quarta-feira (26.12), como é habitual. A última edição de 2018, que elegeria a "figura do ano", não foi impressa por causa daquilo a que Matias Guente, editor deste semanário moçambicano, chamou de ato de "sabotagem" por "parte da única gráfica" existente em Moçambique e que pertence ao Estado.

Como o "Canal de Moçambique" explica na sua página online, "a impressão devia ter sido feita na gráfica da Sociedade Notícias, mas os gestores da gráfica receberam alegadas "ordens superiores" para não o fazerem.

DW África: O que impediu a saída para as bancas da última edição do ano do semanário "Canal de Moçambique"?

Matias Guente (MG): O jornal não saiu para as bancas por uma simples razão, que nós interpretamos como sendo de sabotagem por parte da única empresa gráfica que opera neste país, que é propriedade do Estado. É a mesma gráfica que imprime todos os jornais governamentais. Acontece que o jornal "Canal de Moçambique", por causa da falta de delimitação entre a atividade comercial e a atividade e pressão política, há três anos decidiu passar a imprimir o jornal na África do Sul. Mas, na África do Sul, a situação complica-se durante o mês de dezembro por causa do Natal e do fim do ano, impossibilitando a impressão da nossa edição. Entretanto, com alguma antecedência, o "Canal de Moçambique" contactou por e-mail a gráfica Sociedade Notícias para pedir a impressão de uma única edição, que seria a última edição do ano. Numa reunião foi concordado que não havia problema absolutamente nenhum e agradeceram até que tivéssemos ido lá muito cedo.

Mosambik Urteil für Journalist Matias Guente - Editor Canal de Moçambique
Matias Guente promete uma análise aprofundada do sucedido na próxima edição do semanárioFoto: DW/Romeu da Silva

Porque fomos no início do mês, concretamente no dia 8 de dezembro. Concordou-se que, de facto, podiam imprimir e havia condições. No dia 10, a empresa gráfica enviou-nos a cotação da impressão e, alguns dias depois, foi emitido um cheque à gráfica. Acontece que, na sexta-feira, dia 21, a gráfica telefonou-nos para devolver o cheque, porque não podia imprimir. Não conseguiram dizer por que motivo. Pedimos para falar com o responsável pela gráfica, mas disseram-nos que o responsável não estava disponível para nos explicar. Tentámos falar com o presidente do conselho de administração da sociedade. O presidente do conselho de administração não atendeu as mais de 20 chamadas que efetuámos. E o jornal não foi impresso. Mais tarde viemos a saber que afinal havia outras ordens, que ultrapassavam toda a gente, razão pela qual ninguém esteve disponível para nos dar uma explicação oficial até hoje.

DW África: Portanto, não receberam qualquer justificação para a não impressão do jornal?

MG: Exatamente, até hoje. Entretanto, há jornais que estão sendo impressos. Atenção que a nossa cotação é do dia 10, mas há jornais que foram buscar a cotação na sexta-feira, refiro-me a dia 21, e que estão a ser impressos neste momento. Portanto, não é necessariamente um problema de planificação. Aliás, foi por isso que a gente se antecipou no dia 10.

"Canal de Moçambique" denuncia pressão política

DW África: Em anos passados, nunca houve a necessidade de recorrer a outra gráfica que não aquela na África do Sul, por causa do problema das férias de Natal?

MG: Nunca houve essa necessidade, porque dava para fazer um arranjo antecipado. Devo-lhe dizer que nós já tentámos por várias vezes fazer um contrato com a Sociedade Notícias e nunca aceitaram fazê-lo dentro dos moldes por nós propostos, razão pela qual acabámos por imprimir o jornal na África do Sul. É mais oneroso e é mais trabalhoso.

DW África: No vosso entender, o sucedido tem a ver com o conteúdo do jornal, pelo facto de ser o último jornal do ano, ou tem mesmo a ver com o facto de ser o "Canal de Moçambique"?

MG: É uma pergunta que vamos responder aos nossos leitores numa nota na próxima edição. Vamos explicar o que aconteceu e qual é a nossa interpretação dos factos. Porque uma coisa é pedir uma cotação… Outra coisa é ir a uma reunião, pedir uma cotação, emitir um cheque, fazer o pagamento e depois ser devolvido o cheque. Isso não é inocente. De modo que sendo o "Canal de Moçambique", um dos principais jornais independentes deste país, nós não dissociamos o que aconteceu com todo um conjunto de acontecimentos de pressão sobre a imprensa independente em Moçambique.  

DW África: Está a ser entendido então como um desrespeito à liberdade de imprensa?

MG: Absolutamente, do nosso lado sim. Porque não faz sentido nenhum sob o ponto de vista comercial. Não nos foi dada nenhuma explicação, nem sequer sob o ponto de vista político. Aliás, estou a dizer que a gráfica é do Estado. É a gráfica que devia garantir que todos os jornais fossem impressos neste país, porque o dinheiro reverte para o Estado. Agora, quando é a gráfica do Estado a dispensar valores, fica complicado.