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João Lourenço: "Tiros no pé" marcam três anos de governação

27 de setembro de 2020

Recuo na implementação das autarquias, incumprimento da promessa dos 500 mil empregos e da formação de Governo inclusivo, são algumas críticas apontadas ao Presidente angolano.

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Foto: DW/M. Luamba

Numa caricatura publicada no semanário angolano Novo Jornal e replicada nas redes sociais, o cartunista Sérgio Piçarra enumera como "tiros no pé" de João Lourenço o aumento dos impostos, o esbanjamento de recursos, adjudicações sem concurso, práticas antigas de bajulação, nomeação da filha para cargo público e a candidatura única do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) ao Congresso.

Em declarações à DW África, o cartunista angolano afirma que o programa de combate à corrupção, que no início do mandato criou expectativas a muitos angolanos, agora está a fragilizar a imagem de João Lourenço devido a um alegado protecionismo de algumas figuras do aparelho do Estado.

"Ficou muito claro que, quando se trata de alguns, a luta está na primeira página do Jornal de Angola, como é o caso da Isabel dos Santos. Quando se trata de outras figuras, há um silêncio quase total, como é o caso do escândalo de Edeltrudes Costa, que é chefe do seu próprio gabinete e foi denunciado há quase uma semana. Até ao momento, ninguém se pronunciou e os órgãos públicos estão num silêncio total sobre o assunto," considera.

"São questões que vão minar a seriedade com que este processo é anunciado. Quando se fala em luta contra a corrupção, não pode haver protegidos. E o caso concreto leva-nos a pensar que há, de facto, protegidos", avalia o cartunista.

Protestos marcam três anos de governação de João Lourenço

"Tiros no pé"

Piçarra enumera questões que chama de "incoerências de atos governativos completamente confusos e despropositados", que, na sua visão, enfraquecem a credibilidade de João Lourenço.

"Um Presidente que anunciou boa governação, que anunciou mudança de paradigmas, aprovar um projeto daqueles [a construção do Bairro dos Ministérios], completamente na contramão de tudo o que anunciou... A questão do concurso da quarta operadora, completamente opaco. Agora, a construção do edifício da Comissão Nacional Eleitoral - mais de 40 milhões de dólares gastos num edifício, quando há centenas de edifícios vazios em Luanda que poderiam ser ocupados. Uma clínica dentária para a Presidência da República com mais de 30 milhões, ginásio dos deputados... Quer dizer, uma série de coisas como estas, que vão completamente na contramão daquilo que ele anuncia," avalia Sérgio Piçarra.

O cartunista também aponta contradições, no que se refere à liberdade de imprensa no país. Em causa, órgãos de comunicação que passaram para a esfera do Estado angolano.

"Podemos dizer que há mais abertura das pessoas. Falam mais, estão mais soltas nas redes sociais, onde todos estamos. As pessoas vão-se exprimindo mais abertamente nos programas de televisão. Mas, por outro lado, temos esta estratégia de nacionalização das empresas privadas, que tinham sido compradas pelos 'marimbondos' com o dinheiro do Estado. Por exemplo, a TV Zimbo e a Palanca TV. Se essas empresas são nacionalizadas e passam para o Estado, qual é a garantia que a gente tem de maior liberdade de expressão? Pelo contrário, isso causa-nos sérias preocupações ao nível daquilo que é a liberdade de expressão", reitera o cartunista.

Angola | Proteste in Luanda
Marcha do desemprego levou centenas à rua, em AngolaFoto: Borralho Ndomba/DW

Promessas não cumpridas

O coordenador da ONG Projeto Agir, Fernando Sacuaela Gomes, um dos promotores da marcha contra o desemprego realizada em diversas províncias do país, no fim de semana, afirma que falta sincronia entre o discurso e a prática nos atos do estadista angolano.

"O Presidente fala em combate à corrupção, mas parte pela proteção dos seus mais próximos. O Presidente prometeu realizar as autárquicas em Angola, mas a prática está a demonstrar que tem medo da cidadania," descreve.

"O Presidente não entendeu que precisamos erguer em Angola uma república dos cidadãos e não a república dos militantes", avalia.

Focar nas soluções

Para o ativista e docente universitário Kambolo Tiaka-Tiaka, é necessário que o Presidente João Lourenço encontre soluções para os problemas do país.

"O povo quer pão, quer água, quer luz, quer saúde, quer educação, quer saneamento básico, ou seja, o povo quer bem-estar. E se o povo quer bem-estar e alguém prometeu oferecer este bem-estar ao povo, este cidadão que agora é Presidente da República deve criar condições para minimizar e acudir os agregados familiares", considera.

O presidente da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), André Mendes de Carvalho, diz, por exemplo, que a promessa dos 500 mil empregos foi apenas uma estratégia eleitoralista de João Lourenço. A situação da economia e a "fraqueza" da equipa económica de Lourenço, segundo o político, frustraram a expetativa de criação de empregos.

"Quando ele fez a promessa dos tais 500 mil empregos, aquilo não passou de uma medida eleitoralista. Não tinha nenhum realismo a proposta que ele estava a fazer num contexto como este. Atualmente, ainda temos a Covid-19, que também traz dificuldades à nossa economia. É verdade que agora avançam números mais modestos. Não direi que é um tiro no pé, mas é um tiro para o ar. É um tiro para a incerteza," dispara.

A deputada pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Navita Ngolo, afirma que os três anos de governação de João Lourenço não tiveram impacto na vida dos angolanos. A parlamentar afirma que o custo de vida está pior que no tempo da liderança do Presidente José Eduardo dos Santos.

"Ele propôs-se a corrigir o que estava mal, mas o que estava mal era exatamente a vida dos cidadãos, a pobreza, a miséria.Três anos depois, parece que a vida vem a degradar e está pior que quando José Eduardo dos Santos era Presidente. O kwanza ficou cada vez mais burro, como cantou o Matias Damásio. O cidadão angolano está cada vez mais pobre", diz Navita Ngolo.

"Penso que o balanço é negativo. Um líder deve fazer o balanço do seu mandato tendo em conta o impacto da sua governação na vida dos cidadãos," conclui.

Mesmo com JLO, angolanos não acreditam no fim da corrupção