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Ucrânia: Moçambique não se compromete pois "prefere mediar"

14 de outubro de 2022

Em entrevista à DW África, académico diz que a política de neutralidade de Moçambique no conflito Rússia-Ucrânia se deverá manter. "É uma posição pragmática", comenta Hilário Chacate.

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Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e homólogo moçambicano, Filipe Nyusi
Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e homólogo moçambicano, Filipe NyusiFoto: Ruslan Kaniuka/NurPhoto/Israel Zefanias/Xinhua/IMAGO

O vice-presidente do Parlamento ucraniano, Oleksandr Korniyenko, está de visita a Maputo para pedir apoio no conflito com a Rússia. O chefe da diplomacia ucraniana também já prometeu deslocar-se ao país em breve.

A Ucrânia quer convencer Moçambique - que se absteve das três resoluções que foram a votos na Assembleia Geral da ONU desde a invasão, em 24 de fevereiro - a mudar a sua posição. Mas a política de neutralidade deverá manter-se, acredita o académico moçambicano Hilário Chacate. 

Eleito como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU para 2023-2024, Moçambique procura fazer "novos amigos", mas também quer manter os que já tem, lembra em entrevista à DW África o especialista em Relações Internacionais, que vê como "pragmática" a posição do Governo de Maputo.

DW África: Moçambique tem mantido uma posição neutra relativamente ao conflito na Ucrânia. Espera alguma mudança, tendo em conta a pressão ucraniana que está a ser feita neste momento?

As duas guerras na Europa podem piorar

Hilário Chacate (HC): Penso que não. Não vislumbro a possibilidade de Moçambique mudar a sua posição de neutralidade face a conflito. Em primeiro lugar, porque Moçambique, desde que existe como Estado, se pautou por uma postura de não alinhamento. Além disso, a Constituição moçambicana estipula que a política externa do país visa manter as amizades que foi conquistando ao longo das suas quase cinco décadas de sua existência e alastrar os seus horizontes na busca de novas amizades.

Nesta ordem de ideias, é preciso entender que a Rússia é um Estado com relações muito salutares e cordiais [com Moçambique] desde o período da Guerra Fria. Os primeiros a intervir [na província de] Cabo Delgado para tentar combater o terrorismo foram os russos, com a vinda dos seus mercenários.

DW África: Mas será que Moçambique, que neste momento enfrenta uma insurgência no norte do país, poderá abster-se eternamente perante uma anexação ilegal? Não poderá haver uma mudança de posição face à pressão ucraniana?

HC: Eu tenho muitas dúvidas, porque Moçambique está a sofrer pressão de todos os lados. Neste momento, o Ocidente é um ator muito relevante, sobretudo nesta questão do conflito em Cabo Delgado. A União Europeia (UE) está presente no país, dando formações e assistência às Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas para ajudar a combater o terrorismo, e já faz pressão há algum tempo. Mas Moçambique encontra-se numa posição extremamente delicada porque, ao mesmo tempo, precisa da Rússia em várias áreas. E também tem relações históricas com este país, com significado simbólico, que não quer colocar em causa. Durante muito tempo, quando Moçambique precisou, a União Soviética esteve cá a apoiar.

[É por isso] que o país africano se encontra numa posição extremamente delicada e não consegue assumir posições. Prefere, por isso, adotar o posicionamento de que a Ucrânia a Rússia devem resolver os seus diferendos através do diálogo. Parece-me que esta será a posição permanente de Moçambique, a menos que aconteça algo muito forte nos bastidores diplomáticos, que force o país a mudar de posição.

Primeiro-ministro moçambicano, Adriano Maleiane
Primeiro-ministro moçambicano, Adriano MaleianeFoto: Roberto Paquete/DW

DW África: Aliás, o primeiro-ministro Adriano Maleiane disse na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, que a abstenção moçambicana na condenação da agressão russa à Ucrânia serve os interesses do país. Concorda?

HC: Claramente, o posicionamento de neutralidade permite a Moçambique negociar com ambas as partes. Permite ao país apelar ao diálogo, não condenando nem a Rússia, nem a Ucrânia. A partir do momento em que condena um dos atores, poderá beliscar as suas relações com esse Estado.

DW África: Concorda com a ideia de Moçambique como "mediador", como disse o primeiro-ministro moçambicano em Nova Iorque?

HC: Eu penso que sim. Moçambique sempre assumiu um papel de mediação, pelo menos na região da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Um dos exemplos foi o conflito em Madagáscar, quando [Andry] Rajoelina chegou ao poder através de um golpe de Estado. Houve um momento de tensão entre os diferentes atores políticos e quem mediou esse processo foi o ex-Presidente [Joaquim] Chissano.

O segundo exemplo é a contenda entre a Tanzânia e o Malawi, uma disputa que tem a ver com o Lago Niassa e que também está a ser mediada pelo Presidente Chissano. A postura de Moçambique de não querer assumir posições deve ser vista nesta lógica de que poderá intervir como um ator relevante, para tentar aproximar as partes a encontrar uma saída.

DW África: Portanto, não concorda com as críticas dos partidos da oposição, da RENAMO e do MDM, que acusam o Governo de Moçambique de "insensibilidade" em relação ao povo ucraniano?

HC: Os Estados são atores que agem em função dos seus interesses e calculam os custos e benefícios das suas ações. É nesta lógica que eu entendo que Moçambique está a calcular minuciosamente os passos que está a dar. E, em função disso, vai tomando uma posição pragmática.