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Greves em Moçambique: um sinal de mudança?

Issufo, Nádia Adamo6 de março de 2013

As greves e manifestações em Moçambique mexem com o Governo. Este tem optado pelo uso da força, em jeito de intimidação e repressão, causando indignação no país. Estará o país a transformar-se numa ditadura?

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A DW África ouviu o pesquisador do departamento de ciências políticas e admnistração pública da Universidade Eduado Mondlane, João Pereira, sobre o assunto.

DW África: A revindicação por melhores condições de vida por via das greves, substituindo as manifestações sem cara, significam um amadurecimento da sociedade moçambicana?

João Pereira: Sim, por um lado nota-se um certo grau de consciência que cada grupo de interesses está a ter em relação ao seu exercício de cidadania. E isso mostra a fragilidade que o próprio Estado tem em controlar esses movimentos. Em relação à greve dos médicos, se for a ver quem esteve a frente do processo eram jovens que não têm nenhuma relação com o passado histórico da FRELIMO. Não viveram o período colonial e estão mais predispostos a lutar pelos seus objetivos imediatos e a longo prazo.

E muitas vezes têm uma consciência política muito acima da média em relação a maioria da população que viveu no tempo colonial e que tem um passado histórico idêntico ao do partido FRELIMO e que aceita muitos dos sacrifícios que o partido adota. Os jovens estão mais predispostos a lutar por outro tipo de sociedade que não seja essa sociedade discursiva em relação ao passado.

DW África: Entretanto, os desmobilizados de guerra e os madjermanes [antigos trabalhadores moçambicanos na ex-RDA] são os únicos que têm feito manifestações. No caso dos desmobilizados o Governo reprimiu-os com violência na última semana, atingindo até inocentes. Este uso excessivo de força será um sinal de que o Executivo de Armando Guebuza se sente ameaçado?

JP: Não é uma questão de se sentir ameaçado, é a natureza do Estado em muitos países africanos. Nós saímos de um regime autoritário desde o período pré colonial e pós-colonial...

DW África: Mas neste momento as ameaças de greves são constantes...

JP: Estão a ser mais constantes porque as dificuldades da vida estão a ser agravadas  pelas políticas que estão a ser adotadas neste momento...

DW África: É neste contexto que lhe pergunto: sente-se o Governo acuado ou não por causa da pressão?

JP: No meu entender o Governo vai respondendo na dimensão da complexidade das coisas. Por exemplo, no caso dos desmobilizados, é verdade que a ação do Governo foi muito mais violenta em relação aos madjermanes...

DW África: Constituirão os desmobilizados de guerra uma ameaça ao Governo?

JP: Sim, sim, são uma ameaça, na percepção dos governantes os desmobilizados de guerra tem uma tradição de luta, não luta política, mas luta armada. Grande parte deles vem de um processo de utilização de armas para reivindicar os seus direitos, espaços ou territórios. Então, quando muitos moçambicanos ouvem dizer que os desmobilizados querem manifestar-se pensam que a manifestação será violenta, e o Governo prepara-se para responder com a mesma violência.

DW África: Na sua opinião, a estratégia do Governo é a mais correta ou a mais inteligente?

JP: Não é a mais inteligente nem correta porque não representa o que deve ser um Estado de direito. Porque para a questão da greve não é preciso ter uma autorização do Governo, é um direito consagrado na Constituição, e o Governo diz que respeita a Constituição, então tem de respeitar este principio básico de liberdade de expressão que grupos também têm de se manifestarem. Então, quando vemos a atitude do Governo em relação aos desmobilizados vemos a característica do Estado, que é ainda autoritário.

DW África: Podemos dizer que a repressão e a intimidação entraram em Moçambique pelas mãos das autoridades?

JP: Essa é a tradição histórica deste país. O que os moçambicanos vivem hoje não é nada mais nada menos do que um forte Zimbábue? Praticamente torna-se mais visível hoje porque é debatido na televisão e é mais reportado nas redes sociais. Mas essa história de intimidação, marginalização e controle é uma história que começa no período pré-colonial, colonial, pós-colonial, mesmo com a entrada do sistema multipartidário a liberdade de expressão não é um bem público adquirido, ele tem de ser conquistado até as últimas conseqüências.  

Autora: Nádia Issufo
Edição: Renate Krieger