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Fugir sozinho da guerra aos 16 anos

Wolfgang Dick / ac / gcs28 de janeiro de 2016

Estima-se que mais de 67 mil refugiados, menores de idade, estejam, neste momento, sob custódia dos serviços sociais alemães depois de entrarem sozinhos no país. Noah fugiu do Mali aos 16 anos e foi acolhido na Alemanha.

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Foto: DW/W.Dick

Noah afaga o elefante de peluche. Não é fácil para o jovem falar sobre tudo por que passou quando fugiu do Mali, aos 16 anos. Noah pede para não ser fotografado. Não por medo, mas por motivos religiosos.

"Havia guerra no Mali e eu tive de fugir porque tinha perdido os meus pais de vista". Um amigo disse-lhe que havia trabalho na Líbia. Conseguiu ir para o país à boleia numa camioneta. Mas a polícia apanhou-o e ele foi mandado de volta para o Níger. Passou quatro dias no deserto: "Foram noites e dias mesmo perigosos. Até passei fome: Cheguei a ficar sem água e sem comida."

Noah quis regressar de novo à Líbia. À segunda vez, conseguiu ficar. "Sobrevivi lavando carros com um amigo, durante um ano." Entretanto, foi novamente descoberto pelas autoridades, mas desta vez conseguiu esquivar-se. Ainda assim, um ferimento na perna impedia-o de trabalhar. Ele chegou à conclusão que, se quisesse ter futuro, teria de sair dali.

Mas para onde? Ele não pensava na Alemanha na altura; só queria ir embora dali. Um homem propôs-lhe uma viagem de barco até Itália. Noah sabia que a viagem seria perigosa e poderia morrer. "Não interessa, mais vale morto do que assim", decidiu.

A viagem durou quatro dias - Noah conta que foram os piores dias da sua vida: "Éramos 82 pessoas num barco. Foi uma viagem muito difícil. Dois de nós morreram afogados no mar. Lembro-me muito bem que tínhamos todos medo de morrer." Noah foi resgatado por pescadores italianos.

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Durante a fuga, Noah passou quatro dias no desertoFoto: Getty Images/AFP/P. Desmazes

Bilhete para a Alemanha

Ao chegar a Itália, ofereceram-lhe um bilhete de comboio com destino à Alemanha. As autoridades italianas disseram-lhe que ele não poderia regressar à Itália. Caso contrário seria detido. O bilhete foi um golpe de sorte. No estado da Baviera, no sudeste alemão, Noah foi operado à perna e recebido de braços abertos na aldeia SOS de Landsberg. Mas continua a ter dificuldades em dormir à noite.

As assistentes sociais Angelika von Au e Maria Stock conhecem este tipo de situações: "As crianças acordam à noite e gritam. Têm suores noturnos e vivem tudo de novo." Os funcionários que acompanham as crianças tentam acalmá-las.

Noah ainda não sabe se quer ficar na Alemanha, mas está a fazer os primeiros amigos no novo país. "Não foi difícil. Estive aqui um mês e fiz amigos no curso de alemão." Segundo as assistentes sociais, a hora das refeições é o maior espaço de integração: Alemães e jovens refugiados, que chegaram à Alemanha sem os pais, sentam-se todos a uma mesa. Cozinham, comem e riem juntos, como numa grande família.

Mas também há experiências negativas, diz Maria Stock, abertamente: "Há alemães que não querem contacto com refugiados. Alguns rejeitam mesmo sentar-se a uma mesa com um negro. Pensam que os refugiados lhes roubam os postos de trabalho ou os apartamentos. Dizem que os refugiados recebem tudo gratuitamente e eles não recebem nada, apesar de serem alemães."

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Angelika von Au (esq.) e Maria Stock cuidam das crianças refugiadas a viver na aldeia SOS de LandsbergFoto: DW/W.Dick

"Bons e maus amigos"

O senegalês Ali, de 17 anos, frequenta o mesmo curso de integração que Noah, numa escola profissional. "O meu objetivo é ter um bom futuro. Aqui, se vais para a escola, encontras trabalho. No Senegal não é assim. É preciso ter dinheiro para frequentar a escola privada."

Ali não se ficou pela escola profissional. "Tenho muito tempo livre depois das aulas. Queria fazer alguma coisa para não me aborrecer." Começou a aprender carpintaria. "Estou a aprender a construir mesas e cadeiras."

A mãe de Ali morreu há 11 anos. Ele fugiu do padrasto porque o irmão dele lhe estava sempre a bater. Ao percorrer o Mali, Burkina Faso e Argélia, Ali foi detido. Esteve seis meses numa prisão. À noite, na cela, estudava o Corão.

Entretanto ouviu na prisão que outros detidos, mais velhos, oriundos da Somália e da Eritreia, planeavam fugir. Ali ajudou-os e fugiu com eles. Um passador organizou a viagem, pelo mar, até Itália. Ele não quis ver nada. Procurou um local isolado na embarcação e ficou lá durante onze horas. Se o barco afundasse, ele não queria ouvir ou ver. O calor provocava-lhe dores de cabeça e deixou-o várias vezes inconsciente. Teve sorte. Conseguiu chegar a terra.

Ali foi ter à aldeia SOS de Landsberg, tal como Noah. O que lhe ensinou o percurso até aqui? "Primeiro, paciência. Segundo, que há bons e maus amigos." Na Alemanha, são sobretudo bons amigos - por exemplo Noah, do Mali.