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Estudantes são-tomenses à beira da marginalidade em Portugal

26 de dezembro de 2019

São cerca de 800 jovens sem bolsa de estudo, dependentes do apoio dos pais. Por não conseguirem suportar a totalidade das despesas, muitos são obrigados a trabalhar ilegalmente e até a prostituir-se.

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Foto simbólicaFoto: picture.alliance/blickwinkel/BilderBox/McPHOTO

"A situação é grave", conta Maria Neves, nome fictício, que pediu anonimato. Esta estudante de São Tomé e Príncipe está a fazer licenciatura em Gestão, há dois anos, no Instituto Politécnico da Guarda.

Maria Neves revela ainda que "há pessoas que passam fome, passam miséria. Só vendo para crer porque a situação dos alunos não é fácil lá em cima".

Ela faz parte dos cerca de 800 jovens do arquipélago que chegaram a Portugal para preencher vagas em escolas profissionais e institutos nas regiões do norte do país como Bragança, Guimarães, Guarda e Viana do Castelo, ao abrigo de protocolos camarários rubricados entre autarquias dos dois países.

Prostituição como uma das alternativas

Estudantes são-tomenses à beira da marginalidade em Portugal

Os pais estavam convencidos que viriam com uma bolsa de estudo, algo que não veio a acontecer, de acordo com Maria Neves: "Quando chegamos aqui deparamos com outra realidade. Nós temos que custear os nossos estudos, custear a casa. Tudo é à nossa conta. Antes, mensalmente eram só 160 euros, chegava."

Pagavam 65 euros de propina, de acordo com o protocolo camarário. Mas, com o aumento para 95 euros, não conseguem cobrir todas as despesas, na maior parte suportadas pelos pais. Maria Neves conta que, no instituto onde está "muitos alunos já desistiram da escola porque não têm como pagar. A escola está em decadência".

O visto de estudante não lhes dá direito a trabalhar, mas foram obrigados a arranjar alternativas para o seu sustento, acabando por ser explorados e vítimas de racismo.

Segundo Maria Neves, há jovens que estão a prostituir-se para sobreviver: "Sim, há bastante, mesmo miúdas. Rapazes fumam droga, [há] bebedeira. Agora vejo alunos negros a fumarem na escola."

A situação é mais gritante na Guarda, onde estão cerca de 400 estudantes. Maria Neves receia que os jovens, não só são-tomenses, possam cair na rede da marginalidade e da criminalidade.

Afrika | Elsa Teixeira D'Alva Pinto - Außenministerin von São Tomé und Príncipe
Elsa Pinto, ministra dos Negócios Estrangeiros de São Tomé e PríncipeFoto: DW/R. Graça

A reação das autoridades são-tomenses

Os factos chegaram ao conhecimento de Elsa Pinto, ministra dos Negócios Estrangeiros de São Tomé e Príncipe, aquando da sua recente visita de trabalho a Portugal.

"Nós estamos a criar um núcleo de são-tomenses que vão passar as passas do Algárve e vão ter muitos problemas de inserção, justamente porque é uma falácia dizer que alguém vai viver em Portugal com 150 ou 180 euros mensais", lamentou a ministra dos Negócios Estrangeiros de STP.

E Elsa Pinto elucida que "falar a um jovem de 17 anos que ele não pode sair de São Tomé é muito difícil. Dizer a uma mãe que  seu filho não pode sair porque possivelmente vai ter problemas ela não vai aceitar". E a ministra promete: "Então, há um trabalho que nós vamos ter que fazer para tentar filtrar todo este fenómeno de vagas e de bolsas que são concedidas."

De acordo com Elsa Pinto, a enchente que se regista na Embaixada de Portugal em São Tomé resulta do elevado pedido de vistos para ocupar vagas de formação profissional oferecidas pelas autarquias portuguesas.

Na sequência das ocorrências, António Quintas, embaixador são-tomense acreditado em Lisboa, deslocou-se recentemente a Guarda para se inteirar dos factos que afetam os referidos jovens, muitos deles sem familiares em Portugal.

Não cruzar os braços

Studententreffen von São Tomé und Príncipe im Guarda, Portugal
Encontro de jovens são-tomenses na Casa de Angola, em PortugalFoto: DW/J. Carlos

Euclides Neves, estudante são-tomense a frequentar o primeiro ano de mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais, também foi ao norte de Portugal conhecer a realidade. Face ao que viu, propôs uma iniciativa a um grupo de jovens em busca de respostas.

"Então, criamos entre nós este projeto que se chama 'Acreditar Mais'. Este projeto é fazermos por nós. Isso de esperar que alguém faça por nós às vezes não há resultados, porque ficamos sempre na espera. Mas se nós tomarmos consciência que nós também podemos fazer alguma coisa para colmatar a situação em que vivemos então já é um passo andado", entende o estudante.

O projeto visa, entre outros objetivos, criar atividades culturais angariadoras de receitas, que ajudem a minimizar as dificuldades por que passam os estudantes são-tomenses e evitar que venham a cair na marginalidade.

Os jovens, de acordo com o apelo lançado por Maria Neves, querem mais apoio diplomático da Embaixada em Portugal e pedem ao Governo são-tomense, nomeadamente ao Ministério da Educação, medidas concretas para debelar situações do género.