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Escândalo de corrupção expõe lacunas em Bruxelas

Jack Parrock
13 de dezembro de 2022

Instituições europeias estão em alvoroço com o caso envolvendo uma eurodeputada, acusada de corrupção. A DW examina os meandros do lobismo em Bruxelas e as suas consequências.

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Eurodeputada Eva Kaili
Foto: Menelaos Myrillas/imago

A ex-vice-presidente do Parlamento Europeu Eva Kaili é uma das quatro pessoas detidas no âmbito do escândalo de corrupção que abalou o Parlamento Europeu. É acusada pela Justiça belga de "participação em organização criminosa, branqueamento de capitais e corrupção".

Eva Kaili foi, entretanto, expulsa dos seus partidos políticos e destituída do cargo de vice-presidente deste organismo europeu. A decisão foi aprovada, esta terça-feira (13.12), numa reunião plenária do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, com 625 votos a favor, um contra e duas abstenções.

Suspeita-se que Eva Kaili tenha aceitado subornos do Catar.

Discursos sobre este país do Golfo Pérsico no Parlamento Europeu, a votação a favor de ficheiros relacionados com o Catar em comissões em que não participou e a presença em inúmeros eventos não registados no país são as alegadas ligações entre Eva Kaili e Doha.

Ainda assim, em declarações, esta terça-feira, ao canal de televisão grego OPEN, um dos seus advogados, Michalis Dimitrakopulos, afirma que a ex-eurodeputada grega está inocente.

Eva Kaili "não tem nada a ver com o financiamento do Catar, nada, explicitamente e inequivocamente. Essa é a posição dela", disse Dimitrakopoulos.

Também num comunicado, divulgado no Twitter, a representação do Catar junto da União Europeia (UE) afirma que as alegações "são infundadas e gravemente mal informadas".

Os pormenores oficiais da investigação policial na Bélgica continuam a ser escassos, estando as atividades dos membros do Parlamento Europeu e de outros órgãos da União Europeia sob escrutínio.

Griechenland, Athen | Eva Kaili mit ihrem Ehemann Francesco Giorgi
Eva Kaili e o seu companheiro Francesco Giorgi são duas das pessoas acusadas no casoFoto: Apostolis Papanikolaou/Eurokinissi/ANE/picture alliance

Em entrevista à DW, analistas questionam se as medidas anticorrupção existentes na União Europeia são suficientes.

"Quando existe uma política altamente complexa e enraizada como na UE, torna-se pouco transparente, e torna-se mais fácil comprar influência", nota Jacob Kirkegaard, do Fundo Marshall alemão, acrescentando: "Pode comprar um vice-presidente do Parlamento Europeu por 600 mil euros! São de facto assim tão baratos?"

"Estamos claramente perante uma mulher que não teve medo de ser apanhada". O que indica que quaisquer medidas e processos em vigor no Parlamento Europeu não têm qualquer efeito dissuasivo", afirma Kirkegaard, que conclui: "Mesmo as pessoas 'estúpidas', se tivessem medo, não o fariam".

Medidas de transparência

Então, que medidas estão em vigor na UE?

O organismo tem uma base de dados na qual as organizações não-governamentais, grupos de interesse, consultores, instituições de caridade e outras organizações que queiram influenciar o processo legislativo devem registar-se. 

Todos os que constam do Registo de Transparência são obrigados a declarar os seus orçamentos e quaisquer doações acima de 10.000 euros para as ONG.

Facto é que a "Fighting Impunity", a ONG no centro do atual escândalo de corrupção, não está registada. A organização tem como presidente o ex-eurodeputado italiano Pier Antonio Panzeri, que também se encontra detido na sequência deste caso.

O companheiro de Eva Kaili, Francesco Giorgi, trabalha igualmente na "Fighting Impunity". Além disso, a ONG partilha um escritório com a organização italiana sem fins lucrativos "No Peace Without Justice", cujo diretor também foi detido neste caso.

"Com as lacunas do sistema, isto estava destinado a acontecer", diz à DW, Paul Varakas, presidente da Sociedade de Profissionais dos Assuntos Europeus (SEAP), que ajuda os lobistas a candidatarem-se ao Registo de Transparência.

Belgien Europäische Kommission | Ursula von der Leyen
Ursula von der Leyen apelou à criação de um órgão de ética que abranja todas as instituições europeiasFoto: Virginia Mayo/AP Photo/picture alliance

Em 2021, o Parlamento Europeu recusou-se a aplicar o princípio da "condicionalidade estrita" anexado ao Registo de Transparência, que estipulava que os eurodeputados se poderiam reunir apenas com os lobistas registados.

É o que acontece na Comissão Europeia. Os altos funcionários do órgão executivo da UE só estão autorizados a reunir-se com lobistas inscritos no Registo de Transparência.

No entanto, os eurodeputados argumentaram que a medida infringiria a sua "liberdade de mandato" e rejeitaram as medidas para os forçar a divulgar todos os seus contactos.

"Era assim que eles [Fighting Impunity] trabalhavam", disse Varakas. "Existia uma ONG a influenciar a tomada de decisões sem ter de divulgar nada". Eles foram convidados por um eurodeputado que não tinha de dar conta das suas reuniões. Foi simples".

A SEAP e outras organizações dizem agora que, embora o registo obrigatório (e os requisitos de divulgação a ele associados), possa ser complicado para os atores mais pequenos, como são as ONG, a pressão sobre o Parlamento Europeu para se alinhar pelo "princípio da condicionalidade" será enorme.

Na sequência do escândalo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apelou à criação de um órgão de ética que abranja todas as instituições europeias.

"Temos um com regras muito claras a nível interno na Comissão Europeia, e penso que é altura de discutir onde podemos estabelecer este princípio para todas as instituições da UE", afirmou, numa conferência de imprensa em Bruxelas, na segunda-feira.

Imunidade diplomática

Os eurodeputados também gozam de imunidade diplomática para realizarem o seu trabalho político sem receio de serem processados.

EU-Ungarn | Europäisches Parlament
Parlamento Europeu votou a favor da destituição de Eva Kaili do cargo de vice-presidente esta terça-feira (13.12)Foto: Jean-Francois Badias/AP Photo/picture alliance

De acordo com um protocolo sobre privilégios e imunidades na UE, os eurodeputados não podem "ser sujeitos a qualquer forma de inquérito, detenção ou procedimento legal no que respeita a opiniões expressas ou votos emitidos por eles no exercício das suas funções".

Contudo, a imunidade não é válida "quando um membro [do Parlamento] é apanhado a cometer uma infração", como aconteceu com Eva Kaili.

Se necessário, os eurodeputados têm o direito de pedir que a sua imunidade se mantenha, mas o gabinete de imprensa do Parlamento Europeu já fez saber que nenhum pedido dessa natureza foi feito pela antiga eurodeputada.

No entanto, até à data, os juízes de instrução na Bélgica também não pediram que a imunidade fosse levantada. "Não havendo pedido de levantamento da imunidade, isso sugere que o juiz concluiu que os critérios para que a imunidade deixe de se aplicar não se aplicam", afirmou o porta-voz do Parlamento Europeu, Jaume Duch, em Estrasburgo.

No passado, foram feitos pedidos desta natureza em relação a pedidos de extradição. Mas como os crimes foram alegadamente cometidos na Bélgica, a extradição não se aplicaria neste caso.