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Crise desperta maior medo do regime angolano: a classe média

Maria João Pinto16 de fevereiro de 2016

Jon Schubert, antropólogo suíço, considera que a falta de credibilidade das promessas do Governo está a levar a contestação inédita. Ainda assim, sublinha, relações de poder no país não deverão alterar-se em breve.

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Foto: DW/N. S. D´Angola

É "o maior medo do regime de Angola", nas palavras do antropólogo suíço Jon Schubert: a perda do apoio da classe média. Segundo o investigador da Universidade de Leipzig, na Alemanha, que viveu dez anos em Luanda, a crise económica está a levar esta camada da sociedade angolana a reivindicar mudanças.

No entanto, diz o investigador em entrevista à DW África, apesar das dificuldades perante a queda das receitas do petróleo, o Governo de José Eduardo dos Santos continua a obter meios financeiros que lhe permitem distribuir rendimentos pelas elites do país, evitando uma contestação ao nível interno. Não se esperam, por isso, grandes alterações nas relações de poder em Angola, "pelo menos este ano", diz Jon Schubert.

DW África: Como é que a crise económica atual se reflete na sociedade angolana?

Jon Schubert (JS): De um lado, temos o impacto puramente económico, que, como sempre, em Angola, afeta a classe económica mais baixa de uma forma muito significativa. As pessoas gastam quase metade ou um terço dos salários nos candongueiros no dia-a-dia e agora sofrem por causa da subida dos preços e a penúria alimentar. Dizem que não há mais comida. Mesmo tendo algum dinheiro, não conseguem alimentar-se e sustentar as suas famílias. Isto já é muito visível. O que é mais interessante, na minha opinião, é que, desde o ano passado, uma classe média urbana - que até agora ainda estava mais ou menos satisfeita com o status quo - já está a sentir as faltas.

Há uma geração que se formou e estava à espera de conseguir um emprego na função pública ou nos setores que são os mais afetados: a construção, o setor do petróleo, os bancos. Agora, não conseguem emprego nem economizar para investir. Esse tipo de promessas que, até agora, o regime conseguiu manter como uma ideia que também "calava" essa classe média politicamente pouco ativa já não é muito credível. Isso faz com que estas pessoas comecem a reivindicar uma mudança de sistema, da forma como a economia e a política do país são geridas. Esta classe que histórica e estruturalmente faz parte dos apoiantes naturais do regime culpa agora o Governo e, mais especificamente, o Presidente José Eduardo dos Santos e a sua família pela gestão despesista dos fundos do Estado.

Angola Supermarket
Fila para comprar produtos alimentares num armazém em Caponte, BenguelaFoto: DW/N. S. D´Angola

DW África: Neste sentido, será que as pessoas vão começar a contestar mais o poder em Angola?

JS: É difícil dizer. Houve uma grande mudança na mentalidade nos últimos três anos. As eleições de 2012 foram o ponto alto do "sistema dos Santos". O Governo estava numa posição de força, tinha ganho as eleições pela segunda vez, com a economia a um bom ritmo. Depois, as contestações que já tinham começado de forma tímida em 2011 continuaram e, com a crise, as pessoas tomaram uma consciência de que as coisas realmente não estão bem em Angola. Nesse sentido, acho que sim, isso pode gerar mais contestações ao Governo. Agora, ainda não se sabe qual a forma que isso vai tomar. O maior medo do regime é perder o apoio dessa classe urbana. No momento em que a classe média - que, de certa forma, representa a consciência política e social de uma sociedade - começa a reivindicar uma mudança, a formular posições que até agora a classe mais baixa, por razões estruturais, de educação e de acesso aos media, não teve como articular, esse é o grande desafio.

DW África: Num artigo que publicou recentemente, fala de um sistema de clientelismo no poder em Angola. Como se traduz esse conceito no país?

JS: É a ideia de que o próprio Presidente está a gerir a distribuição das receitas do petróleo à elite e é com isso que as elites do MPLA e das Forças Armadas ficam satisfeitas e apoiam o Presidente. A perspetiva puramente clientelista, na minha opinião, não consegue explicar como é que a maior parte da população não beneficia diretamente dessa distribuição de rendimentos muito altos, do acesso a crédito, a contratos do Estado - que estão reservados a ministros e generais.

Jon Schubert
Jon Schubert, investigador da Universidade de Leipzig, na AlemanhaFoto: Jon Schubert

No meu artigo falo daquilo a que os angolanos chamam "cultura do imediatismo". É que a ideia de que, graças aos rendimentos do petróleo, a ascensão social é possível para toda a gente é quase uma ilusão. No entanto, nos últimos anos, a verdade é que quem tem uma ligação privilegiada com alguém no regime consegue inserir-se nessas redes de distribuição e alcança uma ascensão económica muito importante. E esse imediatismo da economia e dos investimentos leva muitos a dizer que os angolanos não têm paciência para investimentos a longo prazo, querem investimentos que rendem no imediato. O problema é que esse "milagre" só era possível graças aos rendimentos do petróleo. Agora, com esses rendimentos a falhar, esse sistema imediatista ou de curto prazo da economia já não funciona mais.

DW África: E a crise económica poderá ter consequências para este sistema de clientelismo, mesmo nas relações de poder?

JS: Acho que sim. Mesmo dentro do regime já há vozes que dizem que o Presidente tem de sair. Se passar o poder a um dos filhos, o sistema vai perpetuar-se e é ruinoso não só para o país, mas também para os interesses económicos da elite. Por outro lado, o Governo ainda consegue angariar fundos, pedir empréstimos aos chineses, a investidores privados, e ainda há dinheiro que está a entrar e que pode ser distribuído nesses círculos restritos. Consegue continuar com esta gestão clientelista a alto nível, por isso, acho que ainda não vai haver contestação aberta dentro do regime. O Presidente já disse que não haverá renovação de mandatos este ano. A mensagem é muito clara: querem a presidência, formem os seus próprios partidos. Por isso, acho que não haverá contestação aberta dentro do MPLA.

DW África: Acha então que a crise económica não irá traduzir-se em grandes alterações nas relações de poder?

JS: Não, pelo menos não este ano. Acho que a grande pergunta vai ser o que vai acontecer nas eleições de 2017. Claro que, se a gestão actual da crise continuar desta forma, os problemas vão acentuar-se e vai tornar-se muito mais difícil para o MPLA conseguir os votos que conseguiu nas últimas eleições sem fraude muito mais maciça. Agora, o problema é, como sempre, a fraqueza da oposição. A UNITA reelegeu Samakuva para um terceiro mandato na presidência, em dezembro, e isso enfraquece o partido, diminui a sua credibilidade. Se também ali não há renovação de mandatos, como é que as pessoas vão acreditar que este é um projeto político mais credível que o atual?

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