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Covid-19: UA lança fundo para reduzir dependência externa

15 de abril de 2020

A ideia é reduzir a dependência de África da ajuda dos doadores internacionais para resolver problemas do continente. Fundo em parceria com a AfroChampions visa investir 400 milhões de dólares na saúde dos africanos. 

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Foto ilustrativa: Instituto Pasteur, em Dakar, no Senegal,é um dos centros de referência para detectar o novo coronavírusFoto: Getty Images/AFP/Seyllou

A União Africana, através do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), lançou uma parceria público-privada com a iniciativa AfroChampions que visa angariar fundos de resposta à pandemia da Covid-19, para reforçar e melhorar a capacidade de intervenção do setor da saúde. A iniciativa sublinha a importância de uma abordagem solidária e pan-africana que vai permitir ao continente resolver os seus problemas sem ajudas dos parceiros internacionais. 

Em entrevista exclusiva à DW África, o economista guineense Paulo Gomes, co-presidente da iniciativa Afrochampions, anunciou que a África do Sul, o Quénia, o Egito e a República Democrática do Congo já contribuíram com quase 150 milhões de dólares para comprar testes do novo coronavírus e equipamentos de proteção do pessoal médico, incluindo máscaras. 

O ex-diretor regional do Banco Mundial para África convida os Estados e cidadãos africanos a contribuírem para evitar a dependência externa do continente e torná-lo mais solidário.

Além da resposta médica, parte dos recursos arrecadados será destinada ao apoio às comunidades mais frágeis, nos países africanos menos desenvolvidos, cujas atividades socioeconómicas foram impactadas significativamente por medidas tomadas para mitigar os efeitos da pandemia. 

DW África:  Qual é o objetivo desta iniciativa?

Paulo Gomes (PG): Neste momento, o objetivo primeiro é atacar a crise ao nível do vírus. A nossa iniciativa, em parceria com a União Africana, é de mobilizar recursos internos em África para a questão sanitária.  Acho que temos que criar um ecossistema institucional ao nível pan-africano solidário e que possa não só atacar a atual crise, mas também preparar o quadro institucional, técnico e industrial para se prevenir caso haja uma crise com a mesma natureza nos próximos anos. Assim, estamos a evitar a atuação cada vez mais virada para a comunidade internacional como forma de enfrentar os nossos problemas.  

Vários bancos africanos, várias companhias de seguros, várias indústrias e alguns Estados também contribuíram. E, neste momento, já estamos a aproximar-nos dos 150 milhões de dólares, que servirão para comprar um dos elementos importantes, os equipamentos de testes, porque não se pode atacar um vírus desta natureza de uma forma cega. É preciso fazer muitos testes e ter equipamentos para a proteção do pessoal de saúde, como máscaras. 

Paulo Gomes Präsidentschaftswahl in Bissau
Paulo GomesFoto: DW/M. Pessoa

DW África: Há um montante final que se pretende atingir?

(PG): Para a primeira fase, prevemos atingir um valor de 150 milhões de dólares, mas o objetivo é chegarmos aos 400 milhões de dólares. Qualquer cidadão pode contribuir, através do sistema que lançámos via mobilemoney, via rede dos bancos comerciais, o que vai permitir a cada cidadão contribuir, mesmo que seja com um ou cinco dólares. Assim é que se cria um estado de espírito solidário e pan-africano para enfrentarmos os nossos problemas. 

DW África: Quem vai gerir os fundos angariados? 

(PG): Como estava a dizer, o nosso segundo objetivo é criar um ecossistema institucional e organizacional sólido, não só para a crise atual mas para o futuro. Fizemos uma parceria com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), uma instituição da União Africana, que vai operacionalizar a gestão do fundo estabelecido. Haverá um conselho de administração com várias outras personalidades e também um secretariado que vai trabalhar com o CDC e vamos escolher também uma empresa de auditoria que, neste momento, está a ser avaliada entre duas empresas. Isto também vai servir para a auditoria da conta, porque a transparência e a prestação de contas são fundamentais numa iniciativa como esta.

DW África: Ao mesmo tempo, também o Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, cria uma equipa de enviados para negociar apoios com os doadores internacionais. África está a prever recessão ou depressão económica? 

(PG): Há um outro grupo que o Presidente da África do Sul designou para engajar conversações com organizações internacionais em relação a África, entre eles está o Donald Kaberuka [ex-ministro das Finanças do Ruanda], Ngozi Okonjo-Iwela [ex-ministro das Finanças da Nigéria], Tidjane Thiam [antigo diretor do Credit Suisse] e ainda Trevor Manuela [Conselheiro do Presidente da África do Sul]. Esse grupo já está a discutir a questão da dívida [africana]. Eu sou co-presidente da AfroChampions, que é uma iniciativa virada para os empresários africanos,e o Presidente da África do Sul terá também um representante no Conselho de administração, bem como alguns países. 

DW África: Ainda sobre o estado da economia africana, que é o continente que mais cresce no mundo, qual é risco real? É possível convencer os países a contribuir? 

(PG): Sim, nós estamos em situação de emergência, estamos numa nova fase, numa nova ordem mundial que se instala com esta crise do coronavírus. Os africanos têm de tomar responsabilidade nessa nova ordem. Não há dúvidas de que vamos entrar numa recessão económica. Há um risco forte de uma depressão, mas é uma oportunidade para nós pensarmos também qual é o melhor modelo de crescimento, pensar como negligenciamos a questão da saúde, uma sociedade mais solidária, uma interação muito mais inteligente entre o Estado e o setor privado. Cada crise vem, às vezes, com a sua oportunidade. Em relação aos fundos, diria que sim, os africanos são capazes de mobilizar recursos internos. É só sair desse estado de espírito de estar constantemente a pedir aos outros para nós ajudarem. Isso não é sustentável e não representa a nova ação dos africanos que estão a enfrentar essa crise. Por exemplo, o Senegal conseguiu mobilizar quase 60 milhões de dólares numa semana e Marrocos conseguiu praticamente dois mil milhões de dólares, então, há recursos em África. Obviamente a nossa poupança público ou privada não é da mesma dimensão com a da Europa ou dos Estados Unidos da América. E vê-se também os meios não ortodoxos que eles utilizaram para financiar a crise da Covid-19. Nós não temos esses meios. Claro que é uma oportunidade para pensarmos um modelo que nos permite ser mais independentes para enfrentar uma crise desta natureza, que certamente se vai repetir, infelizmente. 

DW África: Será que não é altura de África utilizar as reservas dos bancos centrais africanos para combater a pandemia e estimular a sua economia? 

(PG): Infelizmente, não temos um banco central africano. Os esquemas de mutualização das novas dívidas, do défice fiscal, como fizeram em vários outros países ricos. É uma oportunidade para pensarmos a África, pensar a forma de restruturação da nossa economia, como financiar a pesquisa, o fabrico de vacinas. Digo isto, porque há uma especificidade de doenças que exigem mais pesquisas em África devido à composição genética dos africanos. Como sabe, as multinacionais na área da saúde não priorizaram algumas doenças e nós temos que dar prioridade a essas doenças. É isso, em parte, que tem que ser feito com o financiamento africano, numa parceria global. 

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