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Corrupção: Os tentáculos da Odebrecht em Angola e Moçambique

gs | Lusa
25 de abril de 2017

O esquema de corrupção da construtora brasileira foi descoberto no âmbito da Operação Lava Jato, no Brasil. A Odebrecht terá pago avultadas luvas a responsáveis em Angola e Moçambique.

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Odebrecht in Benguela Angola
Foto: DW/Nelson Sul D'Angola

A Operação Lava Jato, uma investigação da justiça brasileira de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro, pôs a nu o esquema de corrupção numa das maiores empresas brasileiras, a construtora Odebrecht.

Através de um departamento criado especificamente para o efeito, o Setor de Operações Estruturadas, a Odebrecht pagava luvas, nomeadamente a políticos, a troco de benefícios de decisões governamentais, aprovação de leis e obras públicas.

Uma parte do dinheiro das obras públicas era desviada a fim de ser distribuída por políticos, através de subornos pagos no Brasil ou fora do país. O esquema era generalizado na empresa. "Existia uma regra: ou não contribuía para ninguém, ou contribuía para todos", disse Emílio Alves Odebrecht, num depoimento ao juiz Sérgio Moro, responsável por julgar casos da Lava Jato.

As operações ilícitas da construtora tiveram palco também em Angola e Moçambique. Apresentamos aqui um breve ponto de situação do complexo escândalo de corrupção da Odebrecht.

1. Luvas em Angola

Um ministro angolano recebeu 20 milhões de dólares de luvas da Odebrecht. Em declarações à Procuradoria-Geral da República brasileira, o antigo chefe do Setor de Operações Estruturadas da construtora brasileira, Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, afirmou ter pago 20 milhões de dólares a um ministro angolano, cujo nome não foi revelado.

Esse dinheiro foi transferido para o Banco Espírito Santo de Dubai, no Dubai, e registado no planeamento de comissões da Odebrecht.

Angola Organisation Odebrecht Baustelle
Construção de infraestruturas em Luanda pela empresa OdebrechtFoto: Getty Images/AFP/I. Sanogo

Em documentos divulgados recentemente, várias personalidades ligadas à empresa (como Emílio Alves Odebrecht, Marcelo Bahia Odebrecht, João Carlos Nogueira, Antônio Castro de Almeida e Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis) deram conta da possível prática de ilícitos ligados a interesses do Grupo Odebrecht em Angola.

Segundo a imprensa brasileira, o antigo presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, solicitou várias vezes ao antigo Presidente brasileiro Lula da Silva para que utilizasse a sua influência para favorecer a empresa em Angola.

Além disso, a Odebrecht escondeu em Angola um servidor que armazenava quase dois milhões de páginas de documentos, e-mails e provas de transações bancárias. "A premissa era de estar em algum país em que não tínhamos operação", justificou Hilberto Mascarenhas, resposável do Setor de Operações Estruturadas da empresa, em documento entregue à Operação Lava Jato.

Segundo Hilberto Mascarenhas, tratavam-se de dois sistemas tecnológicos com acesso restrito desenvolvido para as transações bancárias: o MyWebday B, para pagamento de luvas; e o Drousys, um mecanismo de comunicação para troca de e-mails e de solicitações.

Em 2007, o local do servidor mudou para a Suiça, porque "o link com Angola apresentava muitos problemas de indisponibilidade de conexão", acrescentrou Hilberto Mascarenhas.

A ação da Odebrecht em Angola não está apenas associada a esquemas de corrupção. Recentemente, a Construtora Norberto Odebrecht assinou um acordo de 10 milhões de dólares com a justiça do Brasil por manter mais de 400 trabalhadores em condições semelhantes à escravidão durante a construção da Biocom, uma fábrica de açúcar e etanol em Angola.

Também o jornalista e ativista angolano Rafael Marques denunciou casos de morte e tortura de camponeses nas áreas de atuação da construtora brasileira. 

Biocom Angola
A Biocom, em Malanje, empresa com participação da Odebrecht, foi acusada de maus-trataos de trabalhadoresFoto: DW/G. C. Silva

2. Suborno de membros do Governo moçambicano

Há também sinais de corrupção da construtora brasileira em Moçambique. As autoridades moçambicanas anunciaram investigar o alegado pagamento de luvas da Odebrecht a responsáveis no país.

Hauptstraße von Nacala
Em Nacala, a Odebrecht construiu o primeiro aeroporto em Moçambique certificado pela International Civil Aviation OrganizationFoto: Madalena Sampaio

"Acionámos mecanismos de cooperação judiciária com o Brasil", afirmou a Procuradora-Geral da República de Moçambique, Beatriz Buchili. No entanto, "o Ministério Público Federal deu-nos conta da impossibilidade de dar informações devido ao acordo de confidencialidade com a Odebrecht", afirmou Buchili.

As autoridades judiciais brasileiras "evocaram confidencialidade" para declinar prestar informações sobre o pagamento de subornos a altos funcionários moçambicanos pela construtora brasileira Odebrecht. 

A Odebrecht admitiu contudo ter pago luvas, avaliadas em 900 mil dólares, a funcionários do Governo de Moçambique entre 2011 e 2014. O objetivo era obter o contrato de construção de um aeroporto em Nacala, no norte, a única obra da empresa brasileira no país. Inicialmente orçado em 90 milhões de dólares, o projeto acabou por custar 216,5 milhões.

3. Dezenas de investigados

Recentemente (17 de abril de 2017), um juiz federal de Nova Iorque condenou a construtora Odebrecht a pagar uma multa de 2,6 mil milhões de dólares (2,4 mil milhões de euros), pelo escândalo dos subornos em países de África e América do Sul. A construtora pagou cerca de 788 milhões de dólares em subornos em 12 países de África e América do Sul.

Também em abril, o Supremo Tribunal brasileiro autorizou a abertura de 76 investigações a quase 100 políticos, com base nas denúncias de 77 ex-dirigentes do grupo Odebrecht, que participou no caso de corrupção da petrolífera Petrobras. Entre os investigados estão oito ministros do Governo do Presidente Michel Temer - que apesar de ser referido não será investigado devido à imunidade do seu cargo -, dezenas de legisladores, 12 dos 27 governadores do país e os cinco ex-presidentes brasileiros vivos: José Sarney, Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. 

Infografik Korruption in Lateinamerika portugiesisch
O escândalo da Odebrecht em números

4. Lula na mira

O antigo Presidente do Brasil, Lula da Silva, é acusado pelo Ministério Público dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro ao favorecer a construtora brasileira Odebrecht, através de contratos com a petrolífera brasileira Petrobras.

Segundo a queixa, a Odebrecht terá pago cerca de 22,7 milhões de euros em subornos em troca da adjudicação de oito contratos com a Petrobrás. As luvas incluíram um terreno, avaliado em 3,8 milhões de euros, onde seria construída a sede do Instituto Lula, entidade dirigida pelo ex-Presidente.  Lula da Silva, que pretende candidatar-se às eleições de 2018, pode vir a ser investigado em outros seis processos.

Brasilien - Porträtbild Luiz Inacio Lula da Silva
O ex-Presidente do Brasil está a ser investigado, depois de ter sido citado por ex-funcionários da construtora OdebrechtFoto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana

5. Subornos em várias frentes

A corrupção em larga escala da Odebrecht beneficiou também milícias, sequestradores e guerrilheiros no estrangeiro, segundo confessou à justiça o antigo presidente da empresa Marcelo Odebrecht. O dinheiro serviu também para pagar grupos paramilitares nas favelas do Rio de Janeiro e para pagar resgates a sequestradores.

Brasilien Marcelo Odebrecht Verhaftung
Preso em 2015, Marcelo Odebrecht, foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por desvios de dinheiroFoto: picture-alliance/dpa/H. Alves

Mas os subornos tinham principalmente finalidades económicas e políticas, por exemplo, através do financiamento de campanhas eleitorais. Segundo o ex-presidente da construtora brasileira Odebrecht, Marcelo Odebrecht, 75% das campanhas eleitorais no Brasil tiveram financiamento ilegal. Preso desde 2015, Marcelo Odebrecht foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por desvios de dinheiro, descoberto no âmbito da operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção no Brasil.

Os depoimentos do ex-presidente da construtora, assim como de outros altos quadros da empresa, estão relacionados com os acordos efetuados com o Ministério Público Federal de delação premiada (redução da pena em troca de colaboração com a justiça).

6. Impactos na América Latina

A Organização das Nações Unidas já se pronunciou sobre os efeitos negativos do escândalo da Odebrecht na América Latina. "A retirada do mercado [da Odebrecht], pelo menos provisoriamente, faz com que a região enfrente uma situação bastante complexa, porque se cortou a mão das ferramentas de execução", afirmou Lucio Cáceres, diretor regional do departamento de Serviços para Projetos das Nações Unidas.

No entender de Lucio Cáceres, o impedimento da Odebrecht de participar em concursos públicos é um duro golpe para o setor deficitário das infraestruturas da América Latina. O vazio deixado pela construtora brasileira está a ser preenchido pela "entrada da potência chinesa na região", acrescentou o diretor regional do departamento de Serviços para Projetos das Nações Unidas.

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