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Chade: "Acordo histórico" sem garantias de paz

Cristina Krippahl
10 de agosto de 2022

Um dos maiores grupos rebeldes do Chade recusou-se a assinar promessa de cessar-fogo acordada na segunda-feira. Ministro dos Negócios Estrangeiros disse à DW que a porta continua aberta a todos os que quiserem dialogar.

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Foto: Amiri Diwan of the State of Qatar/Handout/AA/picture alliance

Faltam dez dias para o início das negociações com vista à reconciliação nacional no Chade. Foi nesse sentido que foi assinado, na segunda-feira (08.08), na capital do Catar, Doha, um acordo de paz entre 42 grupos rebeldes e a junta no poder no Chade, após cinco meses de negociações. Vários observadores dizem que se trata de um "acordo histórico", mas que não oferece garantias de paz.

O porta-voz da junta militar, Mahamat Idriss Deby Itno, prometeu que vai cumprir o acordo: "Como líder do Conselho Militar de Transição, estou firmemente empenhado em implementar as conclusões deste acordo, a fim de reparar os danos causados no passado e oferecer perspetivas de esperança às crianças deste país."

Nos termos do acordo, o Conselho Militar de Transição e centenas de representantes da oposição irão lançar um diálogo nacional de paz na capital, N'Djamena, no dia 20 de agosto. Aos representantes rebeldes foi concedido um salvo-conduto e proteção armada.

Numa entrevista exclusiva à DW, o ministro dos Negócios Estrangeiros interino, Mahamat Zene Cherif, referiu-se ao acordo como "histórico" e acrescentou que o seu sucesso dependerá certamente da implementação do programa acordado para desarmar os rebeldes. "Para que tudo funcione, precisaremos de ajuda financeira significativa da comunidade internacional", advertiu.

O Presidente do Chade, Mahamat Idriss Deby (à esquerda), com o emir do Qatar, Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani
O Presidente do Chade, Mahamat Idriss Deby (à esquerda), com o emir do Qatar, Sheikh Tamim bin Hamad Al ThaniFoto: Amiri Diwan of the State of Qatar/AA/picture alliance

Esperanças refreadas

A Organização das Nações Unidas (ONU), a União Africana (UA) e a União Europeia (UE) exortaram a junta no poder e a oposição a aproveitar a oportunidade apresentada pelo acordo para estabilizar o país. O Chade é considerado fundamental para os esforços internacionais para acabar com os extremistas islâmicos na região do Sahel.

Mas vários grupos rebeldes, incluindo o maior, a Frente para a Alternância e Concórdia no Chade (FACT), recusaram-se a assinar o acordo, o que travou as esperanças de o país alcançar rapidamente a paz e suscitou receios de um regresso à violência.

Acredita-se que a FACT esteja por detrás da morte em combate, em abril de 2021, do antigo Presidente Idriss Deby, pai do atual chefe de Estado. O líder do movimento, Mahamat Ali Mahadi, disse que a exigência do grupo de maiores garantias de segurança e a libertação de mais de 300 dos seus combatentes em prisões governamentais não foi satisfeita.

Chade: Reconciliação num país dividido

"Mais de 95% das exigências satisfeitas"

"Na nossa opinião, o acordo é uma concha vazia", disse à DW Mahamat Ali Mahad, que acusa a junta no poder de querer claramente "pôr de lado a FACT".

O ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade rejeita as acusações. Mahamat Zene Cherif sublinha que mais de 95% das exigências feitas pelos grupos político-militares, bem como pelos políticos do país, foram satisfeitas pelo Executivo interino.

Acusa ainda a Frente para a Alternância de estar a "agir de má-fé": "Alguns vieram [a Doha] apenas para terem um palco para as suas exigências e provar que eram capazes de perturbar e ameaçar os procedimentos."

Embora rico em petróleo, o Chade é um dos países mais pobres do mundo. De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento, a taxa de pobreza, que era de 42% em 2018, foi provavelmente agravada pela pandemia de Covid-19.

Ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade, Mahamat Zene Cherif
Ministro dos Negócios Estrangeiros do Chade, Mahamat Zene Cherif Foto: Sergei Pyatakov/dpa/picture alliance

Os desafios do Chade

O país enfrenta também a grande ameaça das alterações climáticas, que o Banco Mundial diz ter levado a uma desertificação acelerada e à diminuição do Lago Chade.

O Chade tem também sido palco de episódios de violência cíclica e tumultos desde a independência em 1960. A frustração acumulada em 30 anos de governação do pai de Deby levou a revoltas rebeldes na antiga colónia francesa que faz fronteira com os Camarões, República Centro-Africana, Líbia, Níger, Nigéria e Sudão.

Saleh Kebzabo, um antigo líder da oposição que está a organizar o fórum de reconciliação nacional de 20 de agosto, apelou ao patriotismo dos não-signatários do acordo.

"Peço-lhes que pensem um pouco na juventude e no desenvolvimento económico, cultural e social do país. Peço-lhes que pensem no atraso que estamos a tentar compensar através de um diálogo que nos conduzirá a eleições", disse à DW.

Acordo de paz foi celebrado entre 42 grupos rebeldes e a junta no poder, após cinco meses de negociações
Acordo de paz foi celebrado entre 42 grupos rebeldes e a junta no poder, após cinco meses de negociaçõesFoto: Amiri Diwan of the State of Qatar/AA/picture alliance

Receia-se regresso da violência

Quem também ficou desiludido com os termos do acordo de paz foi o analista político Evariste Ngarlem Toldé. "É um acordo sem sentido porque os que têm homens no terreno não o assinaram. Não há garantia de que as hostilidades não serão retomadas nos dias ou meses vindouros", disse à DW.

O ministro dos Negócios Estrangeiros disse que não seria sensato que os grupos não-signatários do acordo tentassem "interromper um diálogo desejado por todos os chadianos", acrescentando que o executivo não hesitaria em tomar todas as medidas necessárias para impedir que isso aconteça.

Mahamat Zene Cherif afirmou, no entanto, que a porta permanecerá aberta a qualquer pessoa que queira aderir ao diálogo de reconciliação nacional. "A paz não tem preço. A guerra nunca resolveu nada", sublinhou, recordando que o Chade tjá teve a sua quota-parte de conflitos fratricidas.