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Cabo Delgado: Porque a Total investiu em Moçambique?

Nádia Issufo
4 de maio de 2021

O investimento da Total é mais geopolítico do que de "negócios", diz investigador. Objetivo será assegurar fontes de aprovisionamento de gás numa zona considerada segura e de influência francesa. Que riscos para o país?

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Foto: picture-alliance/dpa

A galinha dos ovos de ouro foi-se embora de Cabo Delgado sem dar certezas sobre o seu retorno. Agora, o Governo, que apostou tudo nela para sair da bancarrota e até para começar a sonhar, está na corda bamba. Maputo relativiza a retirada temporária da petrolífera francesa Total, confiante no seu regresso, afinal as reservas infindáveis de gás do norte são um chamariz irresistível.

Para o especialista em assuntos africanos Fernando Cardoso, "este investimento que a Total faz em Moçambique é mais por decisão política do Governo francês em querer assegurar fontes de aprovisionamento de uma zona considerada segura, porque a França tem uma base naval em Mayote, a 500 km de Pemba e Palma. Tem unidades militares ao longo do canal de Moçambique e tem várias ilhas da qual é proprietária".

Porém, "o essencial das suas forças militares, a chamada legião estrangeira, [está] consumida pelas guerras no Sahel e preocupada com o que se passa no mar Vermelho, no mar de Acaba e com o trânsito exatamente, e é por isso que o essencial dos franceses está no Djibuti. A mesma coisa se passa com os americanos", explica Cardoso.  

O investigador português repisa: "Na verdade, não é fazer uma especulação dizermos que a decisão da Total de uma decisão final de investimento em Afungi foi uma decisão do Governo. É uma decisão por motivos políticos, por motivos geoeconómicos e não exatamente por motivos de 'businesses' propriamente ditos".

Para fundamentar a sua análise, compara: "Se não a decisão final de investimento seria a mesma que a da Exxon Mobil, que é 'vamos esperar para ver', que a economia mundial retome e volte a um aumento do consumo de energias, particularmente de combustíveis fósseis".

Mosambik Palma | nach Angriff von Rebellen
Campo de gás natural liquefeito da Total em Afungi, Cabo DelgadoFoto: Grant Lee Neuenburg/WFP/REUTERS

Depender de inconstâncias?

Ou seja, mais uma vez Maputo depende de uma variável instável com todos os seus riscos, nomeadamente o de ter de lidar permanentemente com um parceiro com um pé em Cabo Delgado e outro fora, pronto para sair mediante uma ameaça como o terrorismo ou mudança de interesses.

Para a ativista política e social Quitéria Guirengane, esta é "claramente uma situação problemática. Cabo Delgado encerra uma série de interesses do grande capital internacional e de uma série de Estados em relação não só aos recursos, mas também interesses políticos e geoestratégicos". 

Deve um Estado soberano e em busca de desenvolvimento apostar o seu "Ás" em jogadas tão arriscadas? Enquanto a resposta não chega, Moçambique está condenado a viver com medo de ver a galinha dos ovos de ouro transferir ganhos de Cabo Delgado para o seu quintal do Índico, como aventa a moçambicana Guirengane: "Estamos a dizer que a França tem as suas ilhas na região. E isto tudo faz com que até haja debate sobre uma possível mudança da base logística para o território francês."

Tudo devido ao terrorismo que só é uma ameaça para Moçambique há pouco mais de três anos, enquanto que para as potências mundiais como os EUA e a França é uma realidade de barbas brancas, tanto nos seus territórios, como para outros de sua influência ou interesse.

Mas Quitéria Guirengane também mostra o outro lado da moeda: "Por exemplo, se olharmos para a França e EUA, que sempre quiseram criar a sua base de Nacala, estamos a dizer que, apesar da Total falar em suspensão, a Air France nos últimos tempos aumentou o número de voos para Maputo".

Afrika Mosambik Quitéria Guirengane,  Aktivistin
Quitéria Guirengane, ativista política e socialFoto: privat

É em África que os terroristas vão derrotar o ocidente?

Diz-se que, quando os elefantes lutam, o capim é que paga, um provérbio que se pode aplicar a Moçambique se considerarmos a abordagem "extensionista" da ativista política Quitéria Guirengane.

"É preciso olhar que houve até algumas abordagens segundo as quais o ISIS [Estado Islâmico] disse que o campo no qual vão derrotar o ocidente, referindo aos EUA, seria África", lembra. 

Guirengane recomenda: "Isto não pode ser olhado de ânimo leve, mas pode ser uma analogia de que se está a preparar Cabo Delgado, Moçambique e a região como campo de disputa para a resolução de interesses que não foram suficientemente resolvidos na Síria ou no Iraque. Então, isto vem resvalar para países como Moçambique, um conflito que não é necessariamente apenas de Moçambique."

E como o mel não vem só... Cabe agora a Moçambique a pior parte: espantar as moscas sem meios enquanto o mel ameaça fugir-lhe da boca.

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