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EconomiaPortugal

"O sistema financeiro português continua vulnerável"

6 de junho de 2022

Ministro português assegura que o país tem hoje um sistema financeiro "mais robusto" quanto a capitais de origem duvidosa. Consultor considera que Portugal continua "mal preparado para prevenir branqueamento de capitais"

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Foto: Fotolia/Feng Yu

A Comissão Europeia pediu a Portugal que clarifique os passos dados para a implementação da diretiva de prevenção contra o branqueamento de capitais que deveria ter sido transposta para a legislação nacional até janeiro de 2020.

Em declarações à DW, o ministro das Finanças de Portugal, Fernando Medina, afirmou que, ao abrigo das regras da União Europeia, Portugal tem hoje um quadro regulatório mais robusto, contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.  

"O quadro regulatório pós-crise financeira em Portugal e na Europa foi sendo alterado do ponto de vista do seu robustecimento, do ponto de vista da sua forma de trabalho. Creio que hoje todos reconhecem que temos um sistema financeiro mais sólido do que aquele que tínhamos, robusto e credível. E é isso que eu quero destacar. Estes anos foram anos muito difíceis na sociedade portuguesa, também no processo de transformação do sistema financeiro, mas creio que temos um sistema financeiro melhor e mais preparado”, justificou.

Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência Internacional - Portugal
Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência Internacional - PortugalFoto: privat

O governante - que falava a jornalistas num encontro com a imprensa estrangeira em Portugal -, garantiu que os principais bancos portugueses têm como entidade de supervisão direta o Banco Central Europeu. Medina foi abordado pela DW a propósito de medidas preventivas contra o branqueamento de capitais ilícitos com origem em África, nomeadamente de Angola, impostas pela Comissão Europeia depois do escândalo "Luanda Leaks”.

Sistema financeiro "desregulado"

Ouvida pela DW, Karina Carvalho, diretora executiva da Transparência Internacional - Portugal, reage ante o otimismo do ministro e dá exemplos de bancos como o EuroBic, que era detido em 40% pela empresária angolana, Isabel dos Santos, envolvida em transferências suspeitas.  

"Dos casos passados, o que se provou é que o sistema financeiro e bancário em Portugal está completamente desregulado. Esteve durante muitos anos e acho que continua a estar. Esteve no caso BES, esteve no caso EuroBic e noutros que se vão conhecendo. Mas acho que é de um topete dizer-se que está tudo bem quando ainda na semana passada a Comissão Europeia veio, uma vez mais, declarar publicamente que Portugal não transpôs a quinta diretiva de branqueamento de capitais e que existem especialmente problemas na adequação dos procedimentos anti branqueamento de capitais no sistema financeiro e nos bancos em particular”, sublinha.

Informação veiculada pela ONG portuguesa dá conta que Bruxelas enviou recentemente ao Governo português um parecer fundamentado a exigir a clarificação dos passos dados para a implementação plena da 5.ª Diretiva Anti branqueamento de Capitais.  

De acordo com a mesma fonte, a Comissão Europeia alerta que, na prática, Portugal, além de não ter cumprido os prazos, não transpôs essa diretiva. O que põe em causa a estabilidade financeira da União, ao permitir a utilização abusiva do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo. 

Banco de Portugal
"O Banco de Portugal não fiscalizou negócios suspeitos, como os do EuroBic com Isabel dos Santos", sublinha consultorFoto: João Carlos/DW

"Pouco mudou"

João Paulo Batalha, consultor em políticas anticorrupção, afirma que "pouco mudou", porque os bancos portugueses ainda continuam demasiados expostos a riscos de branqueamento de capitais. 

"O número de operações suspeitas de constituírem lavagem de dinheiro reportadas pelos bancos às autoridades até aumentou no último ano. Isso é positivo. Mas, continuamos com muito poucos meios para fazer a verificação dessas suspeitas. E, portanto, há um risco real de muitas operações acabarem por ser desbloqueadas porque não se conseguiu verificar e investigar as suspeitas que elas levantaram", explica o consultor.

O vice-presidente da Frente Cívica, uma ONG anticorrupção, aponta como um indicador preocupante o relatório do Banco Central Europeu "que reconheceu que Portugal falhou na prevenção do combate ao branqueamento de capitais". Por outro lado, acrescenta: 

Deutschland Europäische Zentralbank EZB ECB in Frankfurt
Banco Central Europeu reconheceu que Portugal falhou na prevenção do combate ao branqueamento de capitaisFoto: Ralph Orlowski/REUTERS

"O nosso supervisor, o Banco de Portugal, não fiscalizou, como devia, negócios suspeitos, nomeadamente os negócios do EuroBic com Isabel dos Santos. E temos a Comissão Europeia a alertar Portugal e a preparar até um processo legal contra Portugal por não ter transposto diretivas comunitárias de branqueamento de capitais, nomeadamente a quinta diretiva, precisamente numa área chave que é a de controlo sobre as transações e os relacionamentos com países de alto risco como é o caso de Angola".

Batalha insiste, a concluir, que Portugal continua a estar "muito mal preparado para prevenir o branqueamento de capitais e muito pouco capacitado para investigar suspeitas sobre operações ilícitas”. Avisa que o sistema financeiro português continua "muitíssimo vulnerável”, guardado por "um exército de advogados, gestores e contabilistas que têm sido facilitadores deste tipo de negócios sujos”, de "pura e simples lavagem de dinheiro".  

Por seu lado, abordado pela DW sobre o desafio lançado em 2017 pelo Presidente João Lourenço no combate à corrupção, Carlos Alberto Fonseca, embaixador de Angola em Portugal, concorda que o combate a este fenómeno deve ir mais além.

Acrescenta que, para isso, "é preciso coragem, porque o combate à corrupção é uma constante na vida dos povos”. Mas, reconhece o diplomata, "é preciso dotar o país de meios que produzam mais eficácia e se consiga prevenir cada vez mais, evitando que a corrupção e práticas como o branqueamento de capitais atinja níveis elevados". 

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