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Ataques e superstições dificultam combate ao ébola na RDC

António Cascais
20 de maio de 2019

Províncias congolesas de Kivu Norte e Ituri são as mais afetadas pelo ébola. Febre hemorrágica pode alastrar-se ainda mais, se as mílícias que atuam nas regiões afetadas continuarem a atacar populações e equipas médicas.

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Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Medecins Sans Frontieres/J. Wessels

São mais de 1.600 as pessoas infetadas com o ébola em Kivu Norte e Ituri, no leste da República Democrática do Congo (RDC), perto da fronteira com o Uganda e o Ruanda. Apesar da grande mobilização humanitária, o número de doenças e mortes tem vindo a  aumentar: 1147 pessoas já morreram da doença, de acordo com o mais recente relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado em 16 de maio último. 68% das mortes foram registadas fora dos centros de trânsito que a OMS montou na região.

As organizações humanitárias já alertaram que é grande o perigo de uma maior propagação da epidemia de ébola na RDC. Os mais recentes ataques contra as equipas médicas e centros de tratamento complicam a luta contra a doença altamente infeciosa. "Trabalhamos dois ou três dias, mas depois de cada novo ataque os funcionários das equipas de resposta ao ébola têm de ficar em casa cinco dias. Enquanto isso perdemos muito tempo na luta contra o vírus", afirma em a entrevista à DW Aruna Abedi, coordenador para o ébola do Ministério da Saúde da RDC.

A luta contra o ébola é cada vez mais uma batalha desigual, queixa-se Abedi: "Quando não podemos trabalhar cinco dias, o vírus ganha vantagem. É uma luta muito dura".

Ataques contra equipas médicas

Recentemente, um centro de trânsito foi incendiado na vila de Katwa, na província de Kivu do Norte, perto da fronteira com o Uganda. Em abril, um médico da OMS foi morto na sequência de um ataque perpetrado por desconhecidos. As missões de socorro são geralmente suspensas temporariamente para fortalecer as medidas de segurança. Durante esse período, o número de novos casos aumenta novamente.

Ataques e superstições dificultam combate ao ébola na RDC

São constantes as manifestações e os motins, especialmente na cidade de Beni, o que prejudica significativamente o trabalho dos médicos, relata em entrevista à DW Babou Rukengeza, líder de equipa da Save the Children, uma organização de ajuda humanitária que trabalha em Kivu Norte. "Essa turbulência é uma fonte constante de incapacidade e atrasos", diz o médido.

Em tais condições, não é de surpreender que os casos de ébola na região continuem a aumentar. "Poderíamos ter o problema sob controlo, se pudéssemos trabalhar corretamente", afirma Babou Rukengeza.

Para conter o surto, cerca de 110.000 pessoas receberam uma vacina experimental contra o ébola na região. A OMS recomendou uma extensão da campanha de vacinação.

Desconfiança e superstições são obstáculos

Os serviços de saúde estatais no leste da RDC enfrentam outro problema sério: muitas pessoas desconfiam dos médicos, das equipas de apoio e do governo e até da medicação. Informações falsas tem sido deliberadamente espalhadas por charlatões: há pessoas que dizem que os medicamentos que são administradas nos centros de trânsito provacam  infertilidade ou mesmo a morte dos pacientes.

Também há quem afirma que os médicos e as organizações internacionais de ajuda são apenas intrusos que querem ganhar dinheiro com o ébola. Outros duvidam que a doença exista de facto. "Ela foi inventada. Ou são demónios trazidos de fora da região", dizem.

RDC: Eleições e o contágio do vírus Ébola

"Muitas pessoas acreditam que as informações erradas são muito mais rápidas do que as informações corretas e isso tem consequências", diz Aruna Abedi. O coordenador para o ébola do Ministério da Saúde refere ainda que até casos de políticos que se basearam em informações falsas para afirmar que o ébola não existe. "Também dizem que foi tudo inventado. Às vezes diz-se que alguém foi envenenado, ou citam-se outros motivos, ou que foi bruxaria. Mas a doença é real, continua a matar gente e a alastrar-se entre a população ", lembra.

Outro problema, segundo o coordenador, é que, apesar de os cadáveres serem altamente contagiosos, é difícil impedir as famílias de tocá-los, o que representa um grave perigo para a saúde: "Nós apelamos constantemente para que se sigam as medidas de higiene, que se comunique o aparecimento de sintomas e não se toque nos mortos. Mas é difícil para a população aceitar isso."

Envolvimento de líderes tradicionais

As equipas médicas tentam, cada vez mais, envolver os líderes tradicionais das aldeias na luta contra o ébola. O rei Mfumu Difima, um monarca tradicional líder da RDC, admite que é muito difícil lutar contra o preconceito. "Queremos convencer as pessoas a tratar-se nos centros de tratamento oficiais. Também lhes dizemos para relatarem todos os casos às autoridades, mas estamos a lutar contra uma grande resistência", relata em entrevista à DW.

Sobretudo nas regiões afetadas, alguns políticos convenceram os cidadãos de que o ébola não passou de um pretexto para adiar as eleições de 30 de dezembro de 2018 - um truque para impedi-los de exercer o seu direito ao voto, conta ainda Mfumu Difima.

O surto de ébola começou em agosto passado e é o mais grave desde a devastadora epidemia de 2014-15, que fez 11.000 vítimas na África Ocidental. Esta é décima epidemia de ébola registada na RDC. Os surtos anteriores atingiram regiões pacíficas e puderam ser contidos com relativa rapidez.