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Dívidas da Ematum e as limitações do Conselho Constitucional

Nádia Issufo
12 de novembro de 2019

Ao pagar dívidas da Ematum, a sociedade civil desconfia que o Governo quer reforçar a defesa de Jean Boustani. Acha ainda que desrespeita o Conselho Constitucional, que declarou nulas as dívidas. Mas jurista discorda.

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Barcos da Ematum atracados nas águas de MaputoFoto: EMATUM

Mesmo debaixo de fortes contestações da sociedade civil moçambicana, o Governo pagou uma parcela da reestruturação das dívidas da Ematum, uma das três empresas envolvidas nas dívidas ocultas, estimadas em cerca de dois mil milhões de euros. No total, o valor da reestruturação é de 659,56 milhões de euros, emitidos em 2016, e agora Moçambique desembolsou uma tranche de 36 milhões de euros.

A transação acontece justamente na altura em que decorre o julgamento de um caso de ilícitos financeiros nos EUA ligado às dívidas ocultas. A coincidência, ou não, acirrou as desconfianças da sociedade civil.

Paula Monjane
Paula Monjane, deiretora executiva do CESCFoto: Privat

Suspeitas de proteção de alegados criminosos

Para Paula Monjane, diretora executiva do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), "pagar exatamente neste momento protege e reforça a defesa da empresa que defraudou Moçambique, a Privinvest e seus executivos, porque é no momento crucial em que o julgamento em Nova Iorque estava a acontecer."

"Para mim, isso é um problema", afirma Monjane. 

É que um dos acusados no processo norte-americano, Jean Boustani, negociador da Privinvest, está a apoiar-se no facto de o Governo moçambicano estar a reestruturar as dívidas para defender que não houve conspiração para defraudar os investidores que compraram os títulos de crédito da Ematum - afinal, tudo segue de acordo com trâmites legais e Moçambique está a pagar os empréstimos.

Mas Paula Monjane suspeita de razões obscuras por detrás dos desembolsos: "Penso que há várias justificações que podem ser levantadas sobre porque se está a fazer o pagamento, mas, quando percebemos os contornos e as ligações sobre porque se está a pagar e como se está a pagar, fico com a perceção que é para proteger os interesses das pessoas e instituições que receberam suborno e menos em defesa dos moçambicanos."

Há ou não desrespeito pelo Conselho Constitucional?

Em junho de 2019, o Conselho Constitucional (CC) declarou as dívidas da Ematum inconstitucionais e anulou as garantias do Estado emitidas em 2013. Por isso, o pagamento dos 36 milhões pelo Governo é outro ponto que agita a sociedade civil, que entende que houve um desrespeito ao Conselho Constitucional, e o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) quer agora processar o Executivo.

As dívidas da Ematum e as limitações do Conselho Constitucional

Paula Monjane, que também faz parte do FMO, argumenta que "a decisão do Governo de continuar a pagar a dívida da Ematum, mesmo depois do Conselho Constitucional ter declarado nula, mostra [...] um Estado sem regras."

A diretora do CESC recorda que o CC é uma instituição reconhecida e que, uma vez tomada uma decisão, "não se pode voltar atrás". "Para mim, há uma violação da decisão do Conselho Constitucional e [isso] sugere que estamos num Estado onde as instituições não são respeitadas", comenta Monjane.

Contudo, há quem não interprete de igual forma. Segundo o jurista Elísio de Sousa, "seria desrespeito ao Conselho Constitucional se, de facto, fosse uma obrigação dentro da jurisdição moçambicana. Mas, nos termos do artigo dois do estatuto do Conselho Constituicional, as decisões do CC têm jurisdição apenas sobre Moçambique. E é justo e lógico, é um órgão soberano e a soberania reside dentro de Moçambique."

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Adriano Maleiane, ministro da Economia e Finanças de MoçambiqueFoto: DW/Romeu da Silva

Respeitar contratos internacionais para bem do Estado

O ministro da Economia e Finanças reiterou na sexta-feira (08.11) que a reestruturação da dívida soberana não contraria o acórdão do Conselho Constitucional. De acordo com Adriano Maleiane, o Governo só está a cumprir o acordo alcançado com os portadores de "eurobonds" e a retoma dos pagamentos é um passo necessário para resolver as implicações legais detetadas pelo CC. O governante entende que se está a fazer de tudo para salvaguardar o Estado.

Neste contexto, o jurista Elísio de Sousa afirma que "o aproveitamento ou não de qualquer ato que seja praticado pelo Governo moçambicano não pode ser imputado ao Governo, porque na verdade o que o Governo está a fazer é cumprir com um contrato internacional ao qual está adstrito."

O especialista alerta para as consequências de incumprimentos: "Nós sabemos que o incumprimento de contratos internacionais por parte do Governo pode trazer consequências muito negativas para a economia do país. E, felizmente, o cumprimento desse contrato não fere nem tão pouco a decisão do Conselho Constitucional."

Elísio de Sousa conclui que, "uma vez que este pagamento não entra na questão da relação internacional prestada pelo Estado moçambicano, não há aqui nenhuma situação, seja ela de incumprimento por parte do Governo ou qualquer ilicitude no pagamento."

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