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EducaçãoAngola

Angola: Só 3% das escolas primárias com condições de reabrir

Marta Cardoso
5 de outubro de 2020

Sindicato dos Professores não viu com bons olhos o regresso às aulas e afirma que maioria das escolas não tinha condições para reabrir. Professores que fizeram testes à Covid-19 deram aulas sem saberem resultados.

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Angola | Coronavirus | Schule in Bengo
Uma sala de aulas no Bengo, Angola, em tempos de Covid-19Foto: António Ambrósio/DW

Esta segunda-feira (05.09) foi dia de regresso às aulas presenciais em Angola, para alunos da 6ª, 9ª, 12ª e 13ª classes, bem como para os universitários.

O Sindicato Nacional de Professores de Angola (SINPROF), que visitou mais de novecentas escolas do país no fim do mês passado, diz, contudo, que a grande maioria dos estabelecimentos de ensino não reuniam condições para reabrir. Do ensino primário, por exemplo, apenas 3% das 602 escolas que o Sindicato visitou apresentavam condições.

A Vice-Presidente do SINPROF Angola, Hermínia do Nascimento, vai ainda mais longe e interpreta que os pedidos que se fazem aos encarregados de educação, em Luanda, para assegurar condições de biossegurança aos alunos, são discriminatórios e não têm em conta o índice de pobreza do país.  

Hermínia do Nascimento, professora de língua portuguesa do ensino secundário, reclama ainda que outro grave problema deste regresso às aulas é a baixa testagem à Covid-19 junto da comunidade escolar. Denuncia que 3 mil professores que foram testados à Covid-19 na província de Luanda tiverem de dar aulas presenciais antes de saberem o resultado dos testes. A DW África entrevistou a professora:

DW África: Como foi o regresso às aulas em Angola?

Hermínia do Nascimento (HN): A situação não é muito boa porque, ao contrário do que se tem vindo oficialmente a dizer de que as condições estão todas criadas para o regresso às aulas em segurança, na realidade nós constatámos precisamente o contrário.

Angola | Coronavirus | Schule in Bengo
No Bengo, encarregados de educação clamam por melhores condições de higieneFoto: António Ambrósio/DW

Há duas semanas atrás, o Sindicato Nacional de Professores [SINPROF] desdobrou-se e fomos precisamente às escolas. Inclusive, [fomos] às zonas mais recônditas onde, só a título de exemplo, as estradas estão de tal modo degradadas que o acesso só é feito só através de motorizadas privadas. E constatámos que, tanto nas escolas das zonas urbanas como as da periferia e das zonas mais recônditas, na sua maioria não há condições.

A nível do ensino primário a situação é mais precária. Nós pudemos visitar 602 escolas a nível do país, das quais apenas 3% têm condições, 21% estão com condições razoáveis e 76% não têm condições. Importa salientar que hoje (05.10) também a sexta classe, a última do ensino primário, iniciou as aulas.

Do primeiro ciclo visitámos 345 escolas, das quais 4,9% têm condições, 31,5% têm condições razoáveis e 63,5% não têm condições.

Do segundo ciclo do ensino secundário, onde importa salientar que uma boa parte das escolas têm orçamento [para implementar medidas contra a Covid-19], 22,4% com condições, 50,1% têm condições razoáveis e 27,5% não têm condições.

Isso só demostra que em cada um dos níveis de ensino, a percentagem de escolas sem condições ainda é a maioria. Logo, podemos concluir que as condições [para o regresso às aulas presenciais] não estão criadas.

DW África: Quando fala em condições, que condições é que faltam?

HN: Condições de biossegurança. Por exemplo, só mesmo para higienização das mãos, há escolas do ensino primário, aqui em Luanda, na zona urbana, onde foram entregues banheiras para as crianças poderem fazer a higienização. Também ao nível do ensino primário, aqui em Luanda está-se a recomendar aos pais e encarregados de educação, que os seus educandos deverão levar álcool em gel nas suas mochilas. Ou [que levem] uma garrafinha de água e um pedacinho de sabão para poderem fazer higienização. Que não tiver isso não terá acesso ao recinto escolar.

Ora bem, nós temos um bom número de angolanos que está a viver já em extrema pobreza. Muitos dos pais nem água em casa têm, muito menos um pedacinho de sabão. E nós sabemos que a população angolana também é muito fértil, temos famílias numerosas aqui. Temos casas onde têm cinco a sete crianças em idade escolar. Onde é que o pai poderá arranjar dinheiro suficiente para comprara o material de biossegurança. Também estão a recomendar que cada criança tem de levar no mínimo duas máscaras.  

Aqui não se está a investir para nada. As escolas que estão tendo condições aceitáveis são aquelas que são orçamentadas, nomeadamente alguns institutos ou liceus, portanto [são] do segundo ciclo do ensino secundário. Quanto ao primeiro ciclo e o ensino primário, está uma catástrofe.

Juntamos a isso o grave problema de as escolas não terem, por exemplo, pessoal auxiliar. A maioria das escolas não têm empregadas de limpeza para facilitar a higienização do próprio recinto escolar. Juntando a isso também um grande risco de propagação do vírus nos transportes e nas enchentes das paragens. O risco de contágio [de Covid-19] também estará aí.  

DW África: Considera neste momento, com o cenário que apresenta, que as escolas constituem um risco grande de contaminação da Covid-19?

HN: Sim, um risco grande de propagação da Covid-19. Nós, em princípio, não estamos contra o reinício das aulas. Achamos que sim, estando as crianças em casa, muitas delas impossibilitadas de assistir às rádio e teleaulas, naturalmente que estando na escola será melhor. Mas nós não podemos reiniciar só por reiniciar. Não podemos colocar estas crianças também em risco. E aí vai o nosso apelo de que se criem, de facto, as condições nas escolas. É papel do Estado criar essas condições.

Na maioria das escolas, que não têm orçamento, nós não vimos nem os Governos provinciais, nem as administrações locais a investirem.

DW África: Acha que o Governo, à luz deste reinício das aulas, vai dar um passo atrás e voltar a encerrar as escolas?

HN: Eu acho que o passo atrás seria – e aí vem uma outra questão - os testes. Nós temos possibilidades de testar muito pouca gente. Só para dar um exemplo, aqui ao nível da província de Luanda foram testados 3 mil professores. Desses 3 mil, alguns certamente testaram positivo. Mas, ainda assim, sem que fossem divulgados os resultados desses testes, os professores foram obrigados a ir dar aulas. E nos pronunciamentos oficiais do secretário de Estado da Saúde diz que as aulas iniciariam independentemente dos resultados dos testes. Portanto, é uma posição do Governo.

Só com uma testagem mais massiva poderemos mesmo saber qual é o resultado deste reinício das aulas. E não devemos testar só professores, temos de testar todo o pessoal que participa no processo de ensino e aprendizagem nas escolas, inclusive os guardas, as funcionárias, os administrativos. Todo o mundo tem de ser testado. Mas, segundo o que o Governo disse, não há capacidade.

Symbolbild Hände waschen
Foto: Imago Images/M. Westermann

Nós somos talvez 31 ou 32 mil professores aqui em Luanda e só aproximadamente 10% deste número é que foi testado. E os resultados ainda não foram divulgados.

DW África: Segundo o seu raciocínio, se houver um surto de Covid-19 nalguma escola não vamos saber porque não há testes.

HN: Neste momento ainda não saberemos. As orientações que existem é que se, por ventura, o pessoal, os professores ou a direção das escolas se aperceber de algum estudante que tenha um sintoma, aí poderão acionar as brigadas a nível das escolas. E o pessoal da brigada poderá tomar alguns procedimentos e depois acionar também a brigada de saúde.

Mas nós não nos esquecemos que uma boa parte dos angolanos que já testaram positivo são assintomáticos.

DW África: Com este regresso às aulas o que se pode fazer daqui em diante?

HN: Creio que a única hipótese que nós podemos propor ao Executivo é, pelo menos, garantirem que dentro de duas semanas, no mínimo, se façam novamente testes aleatórios e de preferência em todo o país, que não seja só na província de Luanda.  

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