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Angola recua na decisão de pedir ajuda financeira ao FMI

Vanessa Raminhos 1 de julho de 2016

“Do meu ponto de vista, foram razões eleitorais que motivaram a desistência do pedido de financiamento”, afirma Carlos Rosado de Carvalho, em entrevista, depois de Angola ter anunciado a decisão.

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Symbolbild IWF Internationaler Währungsfonds
Foto: Reuters/K. Kyung-Hoon

O Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou na quinta-feira (30.06) que Angola recuou na sua intenção de pedir assistência financeira à instituição, necessitando apenas de ajuda técnica.

A decisão surge menos de um mês depois da visita técnica da missão do FMI a Luanda e quase três meses depois do anúncio de que o Governo angolano iria passar por um programa de assistência financeira. Para o jornalista Carlos Rosado de Carvalho, esta desistência baseia-se em “razões de natureza política”, uma vez que não houve uma alteração substancial na situação económica e financeira do país nos últimos meses.

DW África: Angola desistiu de pedir financiamento ao FMI. Que motivos podem estar por trás desta decisão?

Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Do meu ponto de vista, razões de natureza política. Angola tem eleições em 2017 e o programa com o FMI seria tudo menos benéfico para as eleições. Seria bom para o país, mas do ponto de vista das eleições [não]. Provavelmente o Orçamento Geral do Estado para 2017 já seria feito ao abrigo desse programa e Angola teria que mudar o seu sistema cambial, há toda uma série de questões. A condicionalidade dos programas de assistência financeira do FMI é que, do meu ponto de vista, motivaram este recuo, porque não convém ao Governo. Não convém ter um programa com o FMI em que se compromete e é obrigado a fazer um conjunto de coisas, que tem avaliações semestrais, enfim. Nós estamos já um bocadinho habituados à história de o Governo angolano não gostar de ser condicionado.

DW África: Quais são as consequências para o país e para os cidadãos angolanos de cancelar este pedido de ajuda?

CRC: Eu acho que o apoio do FMI não era tanto pelo dinheiro, mas sim pelo programa de reformas que eventualmente traria atrás de si e que era muito positivo para o país. Obviamente que, no curto prazo, pode não ser bom do ponto de vista eleitoral mas, no médio e longo prazo, seria fundamentalmente bom. Eu acho que um eventual acordo com o FMI seria muito bom do ponto de vista dos mercados, no sentido de tranquilizar os investidores, porque Angola se comprometeria com um programa de reformas. Desta maneira, poderemos fazer à mesma sozinhos, mas não acredito que se faça com a velocidade ou com a profundidade que devemos fazer.

DW África: Durante a conferência da OPEP, em Viena, no mês passado, o ministro do Petróleo angolano dizia que ’50 dólares por barril de petróleo não é mau, mas precisamos de mais’, apontando um valor de referência ideal a rondar os 80 dólares. No entanto, o valor mantém-se nos 50. Acha que isto irá permitir um crescimento sustentável de Angola no longo prazo, sem esta ajuda financeira do FMI?

CRC: Eu repito: não me parece que, no programa com o FMI, o essencial fosse a assistência financeira. Nós vamos ter défices externos provavelmente até 2020, 2021, o que significa dizer que temos que os financiar. O apoio financeiro do FMI não era suficiente para financiar isso. A existência de um programa com o FMI permitia a Angola recorrer e financiar-se junto de outras fontes porque, de alguma maneira, tinha uma calçadeira, uma garantia, que era o programa com o FMI, havia um programa de reformas em curso. E há também aqui um problema de administração. Nós não podemos pedir uma coisa em março e, depois, em junho, sem que tenha havido uma alteração substancial das condições desistir desse pedido. Do ponto de vista da reputação internacional, esta desistência não me parece muito boa para a nossa imagem.

Carlos Rosado de Carvalho
Carlos Rosado de CarvalhoFoto: DW/J.Beck

DW África: Que consequências poderão advir de nova queda do preço do petróleo?

CRC: Teremos que renegociar a dívida, teremos que, eventualmente, entrar em default [incumprimento de uma cláusula importante de um contrato que vincula credor e devedor, também conhecido como “calote”], mas agora depende da evolução do petróleo. Quando o petróleo esteve a 30, entre os 30 e os 40 [dólares por barril], aparentemente, o Governo assustou-se e pediu apoio ao FMI e, entretanto, arrependeu-se. Mas, do meu ponto de vista, não há alterações substanciais entre a situação económica de Angola quando o Governo pediu assistência financeira ao FMI e aquilo que ocorre atualmente, a não ser, de facto, razões de natureza política e, em particular, razões de natureza eleitoral.

DW África: Hoje (01.07), o Banco Nacional de Angola anunciou um aumento da taxa básica de juro angolana. Que impactos é que isto terá no dia-a-dia dos angolanos e na inflação no país?

CRC: Do ponto de vista da vida dos angolanos, o que significa é que o crédito vai ficar mais caro; essa é a principal consequência. Para quem tem poupanças, o que acontece normalmente é que quando as taxas de juro aumentam, aumentam para o crédito e, muitas vezes, para quem faz aplicações não só não aumentam, ou aumentam a um ritmo menor, como por vezes até diminuem. É mau para quem pede crédito e acaba por não ser bom para quem tem aplicações. Agora, de um ponto de vista da inflação é anti-inflacionista, no sentido em que quando se tira dinheiro às pessoas, quando se aumentam as taxas de juro, as pessoas consomem menos e isto, naturalmente, poderá ter efeitos de aliviar as pressões sobre os preços. Mas mais do que a notícia do aumento das taxas de juro, o que eu estranho é que nós estivemos dois meses sem informação sobre a política monetária. Desde abril que nós não sabemos do Comité de Política Monetária. Mas o bom disto tudo é que, finalmente, o Comité de Política Monetária parece que existe!

DW África: Tem-se mostrado bastante a favor da diversificação da economia em Angola. Está a ver esforços nesse sentido? O que é que é preciso fazer ainda?

[No title]

CRC: Não. Eu acho que temos muita retórica e poucos resultados concretos. Eu acho que nós andamos a insistir nos mesmos erros, que são programas dirigidos pelo Estado, e o que nós precisamos é de um bom ambiente de negócios e precisamos de investimento privado. Desse ponto de vista, não me parece que estejam a ser dados passos concretos no sentido de ter diversificação da economia. Temos de saber atrair investimento direto estrangeiro e não são grandes projetos, são pequenos projetos. Nós não temos nem dinheiro, nem know-how, nem as pessoas certas para diversificar a economia. A lei continua a mesma, de 2011, que foi alterada no ano passado, e não me parece que haja alterações substanciais que me permitam estar otimista relativamente à diversificação da economia.

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