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"Angola precisa libertar-se da dependência do petróleo"

2 de abril de 2012

No aniversário dos dez anos de paz em Angola, o economista Justino Pinto de Andrade acredita que riquezas como petróleo e diamante precisam impulsionar outros setores da economia do país, como a indústria e agropecuária.

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Foto: AP

Ele é descrito em Angola como um intelectual de mão cheia. Diretor da Faculdade de Economia da Universidade Católica, é ainda cronista, escritor e comentarista político da Rádio Ecclésia, a emissora católica de Angola. Justino Pinto de Andrade também é presidente do partido da oposição, Bloco Democrático.

Antigo membro de proa do MPLA na luta de libertação, ele já foi preso varias vezes por discordar do status quo político em varias épocas. Também foi preso político em Angola e no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, durante o período colonial.

Em entrevista à DW África, Justino Pinto de Andrade diz que Angola precisa gerar desenvolvimento, e não apenas crescimento econômico. E assinala as principais conquistas do país nos últimos dez anos.

DW África: Quais são, do seu ponto de vista, as maiores conquistas dos dez anos de paz em Angola?

Justino Pinto de Andrade:
Muita gente regressou ao interior do país, voltou ao seu habitat natural, com seus familiares, e este reencontro é positivo.

Hoje também já podemos circular dentro do país sem grandes dificuldades. As estradas foram reconstruídas, outras foram construídas, então os angolanos já podem circular por estrada, o que era impossível no passado.

DW África: Depois da paz, Angola teve um crescimento notável em vários aspectos, principalmente econômico. Como se pode explicar, na sua condição de economista, que estes dividendos da paz não sejam notáveis em todos os setores da vida nacional?

JPA: Bom, são dez anos, não são cem anos. E em dez anos é possível fazer alguma coisa, não é possível fazer tudo. A paz permitiu que alguns setores da nossa sociedade se beneficiassem de forma grandiosa, e outros ainda estão a conhecer apenas alguns benefícios, mas há também quem tenha conhecido malefícios. Em resumo, há benefícios diretos e há benefícios indiretos. O que nós queremos hoje são os benefícios diretos.

Não queremos só estradas e pontes. Nós não queremos só poder circular, nós também queremos que haja um aumento no rendimento das famílias, para que se possa viver com maior desafogo, com maior qualidade de vida. É isto que está a faltar. Mas com o tempo e com outras políticas mais ajustadas, nós poderemos seguramente melhorar aquilo que está mal.

DW África: Angola é um país com muita riqueza, como o petróleo e a extração de diamantes. Podemos dizer que esta riqueza se trata, na verdade, de uma maldição?

JPA:
Pode ser uma bênção e pode ser uma maldição. Será uma bênção se ela permitir não só aumentar o rendimento global da nossa sociedade, mas permitir também induzir outros rendimentos. Será uma maldição se ela matar outros setores de atividade.

Por exemplo, nas Lundas, que é a zona mais privilegiada em termos de diamantes. Nas Lundas o diamante não é uma bênção; é uma maldição, porque nem toda a gente se beneficia do diamante. As populações originárias daquela zona não tiram benefício do diamante. Apenas algumas pessoas têm benefício com os diamantes.

E inclusive quando se explora o diamante, impede-se o desenvolvimento da agricultura e da pecuária, e nós sabemos que as Lundas são zonas que deveriam ser zonas privilegiadas de produção agropecuária, por exemplo. Não há outras indústrias também que tenham sido induzidas pelo diamante nas Lundas.

Assim como em Cabinda, onde pelo menos 50% do petróleo são extraídos, nós sentimos que as populações não se beneficiam diretamente da grande riqueza que têm no seu mar. E por isso dizer ao povo de Cabinda que o petróleo é uma bênção é estar a gozar com o seu destino. Porque inclusive por causa desta riqueza e de outras questões desevolve-se ali um conflito que tem custado uma grande instabilidade e até muitas vidas humanas naquela região do país.

É evidente também que hoje se assiste em outras áreas do país a produção agrícola, o surgimento de alguma indústria, o alojamento do comércio, mas tudo isso está condicionado ao petróleo. E quando o petróleo condiciona o desenvolvimento nas outras áreas, significa que um mal momento para o petróleo se transformará também num mal momento para as outras áreas.

Nós temos que alargar o leque da nossa atividade econômica, temos que reduzir cada vez mais a nossa dependência em relação ao petróleo e não estamos a conseguir com êxito ainda. Ainda estamos fortemente dependentes do petróleo.

DW África: O que acha sobre a questão das liberdades, comparando antes do fim da guerra e hoje, qual seria o seu balanço?

JPA:
Nós durante a guerra centrávamos toda a nossa atenção sobre o conflito e tudo era desculpável em nome do conflito, inclusive violações flagrantes dos direitos humanos e das liberdades das pessoas. Hoje nós não temos guerra e continuamos a ter flagrantes violações dos direitos humanos em Angola e limitações bastante grandes às nossas liberdades.

Eu penso que isto é fruto da cultura que prevaleceu não só por causa da guerra mas também pela cultura política do partido único. Isto é, deixar formalmente que os outros existam, mas na realidade, na prática, condicionar demasiado a sua atividade. E isto na realidade não pode ser visto como democracia. Nós estamos a viver um momento de contração no espaço das liberdades dos cidadãos.

DW África: Para os próximos dez anos de Angola, qual seria o seu desejo?

JPA:
Primeiro de tudo que o país se pacificasse na íntegra. Segundo, que nós tivéssemos um maior desenvolvimento econômico, não só crescimento econômico: um crescimento que se refletisse sobre a vida das pessoas em todas as suas dimensões. Além disso, que nos libertássemos da forte dependência que temos do petróleo e que também tivéssemos uma vida política mais ativa, mais livre e mais democrática.

Autor: Manuel Vieira (Luanda)
Edição: Francis França/António Rocha

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Moradores de Cabinda não veem benefícios do petróleo
Bürgerkrieg Angola 1993
Dez anos do fim da guerra civil trouxeram melhorias, mas ainda há muito por fazerFoto: picture-alliance / dpa