1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Recordações moçambicanas da queda do muro de Berlim

António Rocha1 de outubro de 2015

No dia 3 de Outubro, celebram-se os 25 anos da reunificação da Alemanha. Uma data que desperta a emoção em todos os que a viveram, sejam alemães ou estrangeiros, como o moçambicano, Alex Mutambe.

https://p.dw.com/p/1Ggne
Foto: picture-alliance/dpa

O pedagogo social vivia na extinta República Democrática Alemã (RDA) desde 1979. Assistiu à queda do muro pela televisão, aderiu à festa, mas também não esconde que a reunificação trouxe alguns problemas para os estrangeiros que viviam na Alemanha do Leste.

DW África: Lembra-se do dia da queda do Muro de Berlim?

Alex Mutambe (AM): Lembro-me bem, porque morava na região de Cottbus, que fazia parte da antiga RDA. Acompanhei através da televisão e vi que as pessoas começavam a sair para as ruas e estradas a caminho de Berlim.

DW África: E como é que viveu as mudanças históricas após a queda do muro e a reunificação da Alemanha?

AM: Não tenho palavras para poder explicar isso. Mas, para mim, a queda do Muro de Berlim teve e tem as suas vantagens e desvantagens. Desvantagens para nós, os moçambicanos, cubanos, vietnamitas, angolanos. Todos que vieram desses países com um contrato foram devolvidos rapidamente aos seus respectivos países de origem, deixando os seus familiares os seus bens. Ninguém foi encarregue da nossa situação. Os contratos entre Moçambique e a RDA foram suspensos. Sobre as vantagens devo falar da liberdade que os alemães começaram a ter para gozar um pouco a vida. Destaco também que a Alemanha se tornou numa potência, nomeadamente econômica, com um bom domínio de tecnologias, e que, a partir daquela altura, o desenvolvimento foi muito rápido.

DDR Afrika Besuch aus Mosambik Samora Machel bei Margot Honecker
Moçambique mantinha relações estreitas com a RDA. Na imagem, o Presidente Samora Machel visita Berlim Oriental em 1983Foto: Bundesarchiv/Bild 183-1983-0303-423/H. Link

DW África: Como veio parar aqui à ex-RDA?

AM: Depois da independência de Moçambique, em 1975, o Governo contatou os chamados países socialistas que poderiam formar moçambicanos em várias áreas que o país muito precisava. E assim, saí de Maputo em 1979, num grupo de 50 moçambicanos. Depois da formação recebida na RDA teria que regressar ao país, mas isso não aconteceu porque, na altura, Moçambique estava em plena guerra e então decidi ficar aqui até hoje.

DW África: E a sua integração na Alemanha processou-se normalmente?

AM: A minha integração decorreu sem sobressaltos. Fui aceite pelos alemães porque estava integrado no programa de formação. Chegamos à RDA já com tudo definido, nomeadamente no aspecto da formação. Fomos logo apresentados às estruturas das localidades onde iríamos seguir a formação, e aos responsáveis das regiões onde fomos residir. Portanto digo que a integração para mim foi sem qualquer dificuldade.

DW África: E como é que os alemães aceitavam os moçambicanos?

MA: Não houve problemas porque acho que não tinham ainda visto muitos africanos. Nalgumas regiões houve um ou outro problema, as pessoas utilizavam um tipo de linguagem não muito correta quando se referiam aos moçambicanos. Mas foi algo de muito passageiro. E como a RDA não era muito habitada então, penso que isso favoreceu a nossa aceitação pelos alemães.

Mosambik Friedliche Demonstration
Os antigos trabalhadores moçambicanos contratados pela RDA ainda lutam para que lhes seja devolvido dinheiro que o Estado moçambicano lhes deveFoto: Ismael Miquidade

DW África: E a questão do idioma, da alimentação?

AM: Nos primeiros três meses sofri um pouco, principalmente no que dizia respeito à alimentação. Muita coisa era desconhecida para mim. Por exemplo, o pão preto, os vários tipos de enchidos e chouriços. No que toca ao idioma, depois de duas semanas entramos para um instituto que formava moçambicanos. Depois das aulas ligadas à nossa profissão, frequentávamoso curso de alemão e assim foi fácil aprender o idioma.

DW África: E concluiu os estudos na RDA ou depois da reunificação?

AM: Tinha-me formado como mecânico de comboios elétricos na RDA. Depois da reunificação, onde eu vivia não havia muito trabalho, e não podia exercer a minha profissão. Tinha que ver como sobreviver. Então regressei à escola para fazer pedagogia social. Atualmente exerço esta profissão num serviço ligado ao Senado de Berlim. Muitas vezes, os africanos que chegam aqui na Alemanha enfrentam vários problemas, de vistos, de emprego, de saúde, da língua, etc. E a minha tarefa é apoiá-los na resolução desses problemas.

DW África: Muitos compatriotas seus que vieram para a então RDA já regressaram a Moçambique. Hoje, os madjermanes, como são conhecidos, continuam a protestar por considerarem que o Governo de Maputo reteve indevidamente dinheiro que lhes pertence. Como vê este problema?

AM: Os meus irmãos que regressaram a Moçambique têm razão para exigir o que é deles. Quando chegamos à Alemanha, nas empresas onde trabalhávamos ficou acordado que cada moçambicano tinha o direito de enviar um montante mensal determinado para casa. Esse dinheiro deveria beneficiar-nos quando regressássemos ao país. Mas o Governo moçambicano utilizou esse dinheiro sem nos informar de como iria reembolsar-nos quando regressássemos. O Estado moçambicano tem prometido solucionar o mais depressa possível este assunto, mas isto já se arrasta por alguns anos.

[No title]

Saltar a secção Mais sobre este tema