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Parlamento moçambicano numa dimensão superior de corrupção?

Nádia Issufo
21 de abril de 2020

"Os deputados, por um lado, deixam o Governo fazer e desfazer e em troca é-lhes permitido aprovar este tipo de leis (reintegração social do deputado) em seu próprio benefício", entende Adriano Nuvunga da ONG CDD.

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Foto: DW/L. Matias

A 6 de abril, o Parlamento moçambicano aprovou o orçamento para a reintegração social dos deputados, uma espécie de reforma "jackpot" que lhes garante o usufruto de regalias após término do mandato. Sem ninguém que os trave, se auto atribuem privilégios de fazer arregalar os olhos, se comparados com as condições de vida da maioria da população, maioria essa que, através dos impostos, sustenta as comodidades dos seus representantes.

Para Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), "o problema reside na legitimidade deste pagamento. É um pagamento legal porque foi aprovado pela lei de 2014 e o que os deputados estão a fazer é executar isso, mas é ilegítimo este pagamento, primeiro ponto, o contexto em que nos encontramos da Covid-19, de incerteza, em que muitos trabalhadores estão a perder os seus empregos."

O rico fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre?

E num timing "quase perfeito", na última semana, o Governo manifestou dúvidas sobre o aumento salarial para este ano por causa da Covid-19. A concretizar-se, valerá a máxima "o rico fica cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre?"

Mosambik Adriano Nuvunga
Adriano Nuvunga, diretor do Centro para Democracia e DesenvolvimentoFoto: DW/L. Matias

O diretor do CDD questiona este paradoxo: "A mesa da concertação social onde se discute o aumento do salário mínimo foi suspenso justamente porque o que está em causa é se os trabalhadores vão manter ou não os empregos, mas os deputados querem ter essas mordomias todas nesta altura."

Mas não se trata apenas de um abuso contra a população, há leis que não terão sido tomadas em conta, o que faz questionar o seguinte: falta de conhecimento, falta de respeito ou violação intencional? Mas em qualquer das hipóteses seria inadmissível a um Parlamento.

Para o Centro de Integridade Pública (CIP), que contesta a aprovação do subsídio, "fica claro que, os deputados que aprovaram o seu próprio estatuto e do mesmo se vão beneficiar, legislaram em benefício e causa próprios, o que a Lei de Probidade Pública não permite."

Deputados descontaram ou não?

Face ao escândalo que o caso provocou, o deputado Galiza Matos Jr. terá justificado à imprensa nacional que os privilégios provêm de descontos que os deputados efetuaram a partir dos seus salários. Contudo, juristas colocaram em cheque o deputado da FRELIMO, partido no poder, ao lembrar o número 2 do artigo 45 da Lei no 31/2014 de 30 de dezembro que diz "o pagamento do subsídio de reintegração não pressupõe quaisquer contribuições".

Mosambiks Parlament
Foto: DW/L.Matias

"Este pagamento não é razoável em dois sentidos, primeiro é uma despesa adicional, não decorre do desconto do deputado, recorre aos contribuintes num orçamento que vai de ano a ano deficitário", contesta Adriano Nuvunga.

E o diretor do CDD prossegue com os contra-argumentos: "O segundo aspeto é que ele não se justifica porque o deputado, contrariamente aos que estão noutras áreas de soberania, nomeadamente os juízes e Executivo, esses trabalham de 1 a 30, ora, os deputados trabalham sazonalmente e continuam a exercer as suas atividades originais de onde saíram e quando terminam o mandato voltam para os mesmos postos com 50% do tempo a contar, ou seja, esteve a contar do tempo que esteve ausente, ou seja, esteve a receber. Não se encontra paralelo na sociedade para justificar".

A DW procurou ouvir uma reação dos deputados a este tema, mas ainda não obteve uma reação.

De que tamanho é o umbigo dos deputados?

A DW ainda não apurou se o orçamento foi aprovado por unanimidade, contudo vale a pena lembrar que no Parlamento a maioria das vezes a oposição e o partido do dia nunca comungam das mesmas posições. Resta saber se para este caso o inédito concretizou-se. Mesmo sem esclarecimento, certos setores questionam os reais interesses dos deputados na chamada casa mãe. Mas como alegam que os interesses do povo é que os norteiam não seria ético e de bom senso recusarem um privilégio que so promove desigualdade e injustiça?

"Os deputados, na minha maneira de ver, partilharam o espólio do Estado, em que por um lado deixam o Governo fazer e desfazer e em troca lhes é permitido aprovar este tipo de leis em seu próprio beneficio. De outra maneira não seria possível. É, na verdade, uma dimensão superior de corrupção política", entende o diretor do CDD.

O orçamento a favor dos deputados é aprovado numa altura em que Moçambique vive uma crise financeira e económica sem precedentes, resultante das dívidas ocultas avaliadas em cerca de 2 mil milhões de euros. Daí a pergunta que não quer calar: onde irá o Governo buscar dinheiro? Ao bolso do contribuinte, suspeita-se.

Face à irrazoabilidade do caso, a sociedade civil moçambicana exigiu na quinta-feira (17.04) a revogação do regulamento ao Parlamento. O Fórum de Monitoria do Orcamento (FMO) justifica que "o valor aprovado para os subsídios de reintegração dos deputados mostra-se demasiado elevado para os moçambicanos". 

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