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Um "socialista democrático" no caminho de Hillary Clinton

Spencer Kimball (mp)10 de julho de 2015

Indicação da ex-secretária de Estado como candidata democrata não é mais incontestável. Com discurso de tornar EUA mais parecido com Escandinávia, Bernie Sanders começa a atrair milhares a comícios e influenciar debate.

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Foto: Reuters/M. Segar

No cenário político americano, é quase uma ofensa, mas Bernie Sanders aceita o rótulo. “Eu não o negaria nem por um segundo”, declarou em 2006, quando disputava a vaga no Senado pelo estado de Vermont. “Eu sou um socialista democrático.”

Sanders não é um político americano convencional. É o parlamentar que mais tempo atuou como independente no Congresso dos Estados Unidos. Apesar da longa cooperação com os democratas, ele filiou-se oficialmente ao partido apenas neste ano, para concorrer com Hillary Clinton à candidatura às eleições presidenciais.

Inicialmente tido como um candidato fraco, ele vem superando as expectativas. Em maio, estava 45 pontos percentuais atrás de Hillary em Iowa, um estado-chave nas primárias democratas. Recentemente, reduziu a margem para 19. Em New Hampshire, ele está apenas oito pontos atrás da ex-secretária de Estado.

No início de julho, Sanders arrastou cerca de 10 mil pessoas em Madison, no estado de Wisconsin. Foi certamente, até o momento, um dos maiores comícios da campanha para as presidenciais de 2016, considerando todos os partidos. E isso não foi um evento isolado. Na segunda-feira, outro comício em Portland, no Maine, concentrou mais 7 mil pessoas.

“Ninguém na Casa Branca terá o poder de enfrentar sozinho Wall Street, as corporações americanas, as classes bilionárias”, disse Sanders a seus apoiadores no Maine. “A única forma de a mudança acontecer é quando nós desenvolvermos um forte movimento de base, fizermos essa revolução política, ficarmos juntos, e então nós geraremos mudança.”

América escandinava

Como ficaria os Estados Unidos após a “revolução política” defendida por Sanders? Pense em Dinamarca, Noruega e Suécia, diz ele.

“Nesses países, a assistência médica é um direito de todas as pessoas, nestes países o curso superior, a pós-graduação é de graça. Nestes países, os benefícios dos aposentados, a assistência à infância é mais forte do que nos Estados Unidos da América”, disse o candidato em entrevista à emissora ABC. “Nesses países, em geral, o governo trabalha mais para as pessoas comuns e a classe média do que para os bilionários, como é o caso hoje no nosso país.”

É uma mensagem de apelo progressista. Mas o grande público americano vai apoiar um autoproclamado socialista democrático, que quer que o país pareça mais com o norte da Europa?

“Este é um país que teve a era McCarthy e o medo do vermelho. Teve perseguição aos integrantes da esquerda [red baiting] e ataques a socialistas. Isso é parte do cotidiano da nossa mídia, mesmo nos últimos anos”, diz John Nichols, correspondente da revista The Nation.

Nichols cobriu Sanders por anos e anunciou o senador de Vermont no comício em Wisconsin. Apesar de os Estados Unidos serem estrutural e economicamente bastante diferentes da Europa, o jornalista afirma que o país esta no momento certo para receber a mensagem populista contra a austeridade, que sacode o velho continente nos últimos meses. Sanders está tentando explorar esse sentimento.

Segundo o Instituto Gallup, dois em cada três americanos não estão satisfeitos com a forma que a riqueza é distribuída nos Estados Unidos. Trata-se de um assunto que ocupa a agenda dos dois principais partidos. Três quartos dos democratas e até 54% dos republicanos estão preocupados com a desigualdade social.

“Na disputa presidencial de 2016, há espaço para mensagens que realmente desafiem a economia ortodoxa dos Estados Unidos”, opina Nichols.

Fosso de gerações

Enquanto a antiga geração baby-boom está mais investida no status quo e amadureceu quando os ideais socialistas eram um tabu, há quem diga que a chamada “geração do milênio” está mais aberta a uma mudança radical.

“Eles são um pouco mais solidários e sensíveis a essas questões da desigualdade econômica”, opina a analista política Alexandra Reckendorf, da Universidade Virgínia Commonwealth. “Muitos deles encontram-se neste barco ou são ainda bastante jovens e idealistas para acreditar que essas mudanças poderiam funcionar.”

Os jovens americanos acumularam cerca de 1,2 trilhão de dólares (4,2 trilhões de reais) em dívidas estudantis devido ao aumento das tarifas do ensino superior. Sanders sugeriu uma nova legislação pela gratuidade dos quatro anos de faculdade e financiaria isso taxando atividade especulativa de Wall Street.

Segundo Arthur Sanders, o grande público não está identificado com isso ainda. Professor da Universidade Drake, em Des Moines (Iowa), o analista político toma como exemplo o “Obamacare” – o sistema de saúde pública proposto por Obama.

Apenas 43% têm visão favorável à iniciativa do presidente, conforme pesquisa de opinião da Kaiser Health Tracking. O senador Sanders, por outro lado, acha que as reformas na assistência médica de Obama não vão suficientemente longe.

“Se ele [Sanders] vai propor, como ele fez no passado, que o governo arque integralmente com a assistência a saúde, as pessoas não estarão preparadas pra isso. Elas mal estão prontas para o 'Obamacare'”, opina o especialista.

Até agora, o senador Sanders também não fez incursões nos grupos de eleitores afro-americanos e latinos, que apoiam massivamente Hillary Clinton. Apesar do envolvimento no movimento pelos direitos civis em Chicago, nos anos 1960, ele representa hoje um estado expressivamente “branco” em New England.

Por princípio, ele também se nega a aceitar dinheiro de corporações. Enquanto Hillary Clinton conseguiu levantar 45 milhões de dólares (158 milhões de reais), o senador obteve 15 milhões de dólares (53 milhões de reais) – e apenas de pequenos doadores. Independente de suas reais chances de garantir a candidatura, o socialista democrático de Vermont já está tendo influência significativa no debate. E talvez este seja o seu verdadeiro objetivo.

“Ele vai empurrar Hillary Clinton para a esquerda, ele vai puxar o debate para a esquerda. Ele jamais vai dizer por que está concorrendo, porque você não pode fazer isso”, afirma o analista Arthur Sanders.