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"Converti minha dor na luta por 10 mil pessoas"

Karina Gomes12 de agosto de 2015

Em quase 20 anos de busca incansável pela filha desaparecida, brasileira Ivanise Esperidião já ajudou 4 mil mães a reencontrar seus filhos. "Minha filha vive em cada criança que foi devolvida à sua família."

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Grupo conhecido como "Mães da Sé" exibe cartazes de crianças desaparecidas no centro de São PauloFoto: Fundação Mães da Sé

"A minha vida parou no dia 23 de dezembro de 1995". Ivanise Esperidião vive a dor diária da incerteza desde o desaparecimento da filha. Com 13 anos, Fabiana Esperidião foi vista naquela tarde de sábado, pela última vez, a 120 metros da casa da família, na zona oeste de São Paulo.

"Viver o desaparecimento de uma pessoa é mil vezes pior do que a morte", diz. Em 19 anos e oito meses de busca, Ivanise entrou em favelas, prostíbulos e foi atrás de pistas da filha em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Talvez nunca tenha chegado perto de localizá-la.

A espera e a luta pelo reencontro se converteram em solidariedade. Em contato com mães que vivem o mesmo sofrimento, Ivanise fundou, apenas três meses depois do desaparecimento da filha, a Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida, conhecida como "Mães da Sé".

Na procura incansável por Fabiana Esperidião, Ivanise já ajudou 4.233 mães a reencontrarem seus filhos. "Enquanto vivi minha busca solitária, cheguei à beira da loucura. A minha filha vive em cada uma dessas pessoas que foram devolvidas às suas famílias."

Ivanise se dedica integralmente à ONG. Ela participa de palestras em todo o país e concede inúmeras entrevistas para dar visibilidade ao problema do desaparecimento. Além disso, também participa ativamente da busca dos filhos de outras mães, indo a delegacias e hospitais.

"São mulheres totalmente desconhecedoras dos seus direitos. São mulheres que chegam às delegacias e são humilhadas e discriminadas", relata. "O que cobramos do Estado é uma resposta sobre o que aconteceu com nossos filhos."

Familiares que participam da ONG Mães da Sé se reúnem aos domingos, a cada duas semanas, nas escadarias da Catedral da Sé, no centro de São Paulo. As mães carregam cartazes com as fotos dos desaparecidos.

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Fabiana Esperidião desapareceu a 100 metros de casa, em 1995Foto: Fundação Mães da Sé

"A partir do momento em que eu comecei a compartilhar a minha dor, aprendi a lidar de uma forma mais amena com esse luto inacabado", conta. "Insistimos para que ninguém desista. Nós somos irmanadas pelo mesmo sofrimento."

Descaso com a dor

A filha de Ivanise Esperidião é uma das 369 pessoas registradas no Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). O projeto previsto em lei desde 2009 só saiu do papel em 2013.

Nem a SDH, nem o Ministério da Justiça possuem um levantamento nacional sobre o número de desaparecidos no país. Apenas Espírito Santo, Santa Catarina e Sergipe – os únicos estados que compartilham com o governo dados sistemáticos sobre desaparecimento – contabilizam sete mil pessoas ainda não localizadas.

"Para a polícia e o Estado, nossos filhos são apenas números", critica Esperidião. "O assunto é tratado com abandono e descaso. É como se as nossas crianças fossem invisíveis."

O governo brasileiro não tem políticas públicas de amparo a essas famílias. Sem recursos financeiros próprios, a Mães da Sé presta auxílio social, psicológico e jurídico em parceria com universidades.

"Eu transformei a minha dor numa luta não só pela minha filha, mas por quase 10 mil pessoas cadastradas na associação que querem encontrar seus familiares. Esse trabalho é o que tem me dado forças para continuar nessa batalha."

Coração de mãe

O desaparecimento deixa inúmeras sequelas. Na busca pelos filhos, as mães "perdem o emprego, a saúde e a autoestima", relata Esperidião. "Em 19 anos, eu já perdi 13 mães – uma se suicidou, e as outras morreram pelo mesmo problema: parada cardíaca. O sofrimento também mata", constata.

Depois de assistir a mais de quatro mil reencontros, a presidente da Mães da Sé aguarda sua vez.

"O meu coração de mãe diz que a minha filha está viva em algum lugar desse planeta. A única coisa que eu peço a Deus, todos os dias, é que não me deixe morrer sem encontrá-la."