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Retrato de uma Angola "magnífica e miserável"

João Carlos (Lisboa)11 de novembro de 2015

No seu novo livro, o académico português Ricardo Soares de Oliveira analisa as mudanças vertiginosas que se vivem em Angola. Uma obra para compreender a ascensão económica fulgurante na última década de um país complexo.

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Foto: DW/J. Carlos

"Magnífica e Miserável – Angola desde a Guerra Civil" é lançado esta quarta-feira (11.11), em Lisboa, a capital portuguesa, no dia em que o país assinala o quadragésimo aniversário da sua independência.

O medo ou a insegurança que hoje invade a cúpula do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), estrutura do poder em Angola, 40 anos depois da independência, é, no mínimo, insólita, afirma o professor da Universidade de Oxford.

Segundo o cientista político português, nos últimos anos houve um endurecimento por parte do Governo de Luanda face a indivíduos ou grupos com posições mais críticas em relação ao regime. Exemplo disso são os 15 jovens detidos desde junho, acusados de preparação de rebelião, cujo julgamento está marcado para a próxima segunda-feira (16.11).

"Não se percebe por que é que o regime não lida com esta situação com muito mais autoconfiança", comenta Ricardo Soares Oliveira. "O regime está quase a criar uma profecia que se autorealiza devido ao modo bruto e contraproducente como está a lidar com estes jovens, reprimindo e criando para estes um apoio internacional, mas também nacional junto da juventude, nomeadamente em Luanda e nas grandes cidades, que eles não teriam há seis meses."

"Regime tem a maioria das cartas na mão"

Esta postura do regime, refere ainda, vai limitar ainda mais o espaço para conversas ou debates legítimos e necessários à sociedade angolana atual, que aspira por mudanças. Mesmo no seio do MPLA, acrescenta, "há a sensação de que o Presidente José Eduardo dos Santos está no poder demasiado tempo."

Buchcover Wunderschön und Miserabel - Angola seit dem Bürgerkrieg
Livro é lançado em Lisboa no dia em que Angola festeja 40 anos de independênciaFoto: DW/J. Carlos

"O Presidente está no poder há 36 anos. E apesar de nos últimos quatro ou cinco anos se falar constantemente da sucessão, não temos razão nenhuma para pensar atualmente que o Presidente não queira ficar no poder, pelo menos até 2022", diz Ricardo Soares de Oliveira.

A seu ver, trata-se de uma questão com a qual o MPLA lida de forma muito disciplinada com o exterior, "até porque não há espaço de manobra para atacar o Presidente, que é inviolável, mas em surdina há muita gente que pensa que o Presidente está a criar uma fragilidade para o próprio partido."

Ainda assim, sublinha, é leviano falar-se de mudança, em analogia com a "Primavera Árabe", porque, como afirma, o MPLA é um partido com mais vantagens por controlar o Estado. Para o investigador, "o regime continua a ter a maioria das cartas na mão".

Ascensão económica fulgurante

Ricardo Soares de Oliveira considera que o seu livro "Magnífica e Miserável, Angola desde a Guerra Civil" é uma contribuição para debate sobre um país incontornável como exportador de petróleo e diamantes, potência emergente considerada cada vez mais influente em África. "Angola é um país riquíssimo, é a terceira maior economia em África e o terceiro maior produtor de petróleo do continente. É um país que tem riqueza suficiente para dar uma vida muito digna à vasta maioria da sua população." Por outro lado, acrescenta, "é um país assolado por uma história muito sombria. E esse legado pesa muito na realidade angolana atual."

O cientista lembra ainda o país conheceu um crescimento económico extraordinário. O produto interno bruto (PIB) cresceu dez vezes, passando em 2002 de cerca de 12 mil milhões de dólares para cerca de 125 mil milhões em 2013. "Foi o maior crescimento da África subsaariana na última década e talvez do mundo. Esse crescimento aconteceu num contexto de paz e de estabilidade política e, por conseguinte, criou oportunidades de desenvolvimento muito grandes."

Foram recuperadas muitas infraestruturas, como a rede de estradas - apesar de não ser "muito boa" a qualidade de algumas -, e melhorou a gestão macroeconómica. No entanto, é difícil não ter uma visão "muito desapontadora" do modo como foram geridos os fundos públicos gerados pelo crescimento económico, afirma o académico.

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"Os benefícios existiram, mas foram monopolizados por uma fatia relativamente restrita da população, uma fatia urbana, de classe média e de classe alta, que excluiu a vasta maioria da população". Além disso, lembra Ricardo Soares de Oliveira, "a tão apregoada diversificação da economia nacional" também não aconteceu.

Cerca de 95% das receitas exteriores do Estado angolano resultam do setor petrolífero. A queda em cerca de 60% do preço do petróleo no mercado internacional acabou por afetar as finanças do país e, adianta, acabou também por fragilizar o status quo do regime, que, a partir de 2004, criou expetativas "muito grandes" com as promessas de desenvolvimento dirigidas a todos os angolanos.

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