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Opinião: Putin poupa e ainda sai ganhando na Síria

15 de março de 2016

Manobras do Kremlin não só surpreendem, como também enganam Ocidente. Com sua retirada parcial da Síria, os russos assumem definitivamente o controle sobre o país e Bashar al-Assad, opina jornalista Christian F. Trippe.

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Foto: DW

Toda superpotência estima seus rituais e pratica suas encenações. E a versão russa de "missão cumprida" não tem nada de espetacular. O presidente russo convoca o ministro da Defesa e o do Exterior em seu escuro gabinete, revestido de painéis de madeira, e ali anuncia, com a maior naturalidade possível, o fim dos ataques aéreos na Síria. Os objetivos militares, explicou ele, já teriam sido largamente alcançados. O claro anúncio por parte de Moscou foi recebido como uma sensação mista pelo resto do mundo.

A Rússia foi levada à guerra civil na Síria para lutar contra os terroristas islâmicos. Mas isso representa apenas uma parte da verdade – Moscou seguia, de fato, uma agenda mais ampla. Desde o início, os bombardeiros russos também combateram os grupos apoiados pelo Ocidente em sua revolta contra Bashar al-Assad. Como o conflito na Síria também é uma guerra por procuração, o Kremlin lutava também contra os EUA e seus aliados.

Os islamistas da Idade da Pedra do assim chamado "Estado Islâmico" (EI), porém, ainda não foram vencidos. Nesse ponto, Moscou quer e tem que fazer nova investida. Após semanas de troca de repreensões entre EUA e Rússia, que se acusavam mutuamente de não ter feito o suficiente ou ter agido erroneamente na luta contra o EI, os dois parecem agora elaborar pela primeira vez um plano de ação conjunta. Em todo caso, após a sua retirada parcial, os russos vão deixar equipamento militar suficiente na Síria para participar de tal campanha.

É uma pena que para a palavra "retirada" não exista um diminutivo – pois olhando atentamente é justamente isso o que ocorre: a versão ultralight de uma remoção militar, uma "retiradazinha". Somente caças de ataque, pilotos e pessoal de terra serão repatriados. Para a indústria bélica russa, a Síria funcionou como um imenso showroom, pela primeira vez foram empregados novos equipamentos de aviação. Mas isso saiu caro. E a Rússia deve economizar – o país é afetado por uma profunda crise econômica e pelas sanções do Ocidente devido à agressiva política de Moscou para a Ucrânia.

No próximo ano, o orçamento de Defesa russo pode ser cortado em 5%: o principal empresário da indústria de armamentos do país conta até com 10% a menos de encomendas por parte do Ministério da Defesa em Moscou. Essa realidade também deve ser considerada ao se observar a decisão surpreendente de Putin de suspender os ataques aéreos.

Com isso, a Rússia economiza um monte de dinheiro e não perde nada em termos estratégicos. Porque, na Síria, Moscou já cimentou sua presença militar. A qualquer momento, o Kremlin pode voltar a aumentar a sua atuação. A base naval russa na Síria, a base aérea largamente ampliada e a respectiva proteção a essas instalações – tudo isso permanece no local.

O governo Assad só sobreviveu até agora porque os militares russos saíram, há seis meses, em ajuda das forças sírias sitiadas. Agora o regime está completamente nas mãos da Rússia também de forma política. Além disso, há boatos de uma rixa entre Moscou e Damasco. Combinando com isso, um porta-voz do Kremlin comunicou que o futuro político do presidente Bashar al-Assad não teria sido tema nas discussões sobre a retirada de tropas. Em termos claros: o Kremlin não está mais interessado em Assad – após ter desempenhado o papel de santo padroeiro do alegado legítimo tirano.

Com essas manobras de política de poder, Moscou ganha uma destacada posição de negociador nas conversações de paz em Genebra. Politicamente, esse era justamente o plano: voltar a atuar como ator global em pé de igualdade com os demais. Atualmente, quase não se fala sobre a situação na Ucrânia, sobre o difícil papel da Rússia, sobre o chamado "Processo de Minsk". E a anexação da Crimeia há dois anos? Provavelmente, vai acabar sendo tema para especialistas em direito internacional. São danos colaterais da missão russa na Síria que muito convêm a Putin.

Christian Trippe
Christian Trippe Chefe do Departamento Leste Europeu da DW