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Moçambique precisa de "plano B" para aliviar dívida

Madalena Sampaio 1 de julho de 2016

E se, com o apoio da ONU, fosse encontrado um mediador entre o Estado moçambicano e os credores? A ideia foi apresentada em Maputo por ONG alemãs e aplaudida pelo Grupo da Dívida, que fala em "limpar a imagem" do país.

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Foto: picture alliance/J. Greve

Jürgen Kaiser acaba de regressar de Moçambique. O coordenador da "erlassjahr.de", uma coligação alemã de organizações não-governamentais que defende o perdão da dívida a países pobres, esteve no país por causa da atual crise, agudizada pelas chamadas "dívidas escondidas".

Em causa estão 1,4 mil milhões de dólares em empréstimos garantidos pelo Governo a empresas participadas pelo Estado - Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), ProIndicus e Mozambique Asset Management (MAM) - e que não foram declarados nas contas públicas. O que já levou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os doadores a suspender os apoios.

"Moçambique não sairá facilmente de uma situação como esta de forma tradicional", observa Kaiser, lembrando que esta opção já não está disponível porque a antiga iniciativa de perdão da dívida já não existe. "E porque os credores do chamado Clube de Paris, que teoricamente poderiam criar oportunidades para o alívio da dívida, já não são os principais credores. Estes são hoje detentores de obrigações ou países que não fazem parte do Clube de Paris, como a China".

A dívida pública de Moçambique já ultrapassa os 10 mil milhões de euros, valor que representa mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB). Destes, quase 9 mil milhões de euros são dívida externa. E o endividamento pode ainda aumentar até ao final do ano, segundo as agências de notação financeira.

"Plano B" na manga

Neste momento, não existe "nenhum mecanismo para produzir um alívio da dívida de forma coerente e orientada", afirma Jürgen Kaiser. Por isso, num fórum internacional realizado em Maputo, na semana passada (22.06 e 23.06), as ONG alemãs apresentaram uma ideia aos participantes: "que o Parlamento e a sociedade civil, mas também o Governo, sobretudo o Ministério das Finanças, se juntem para desenvolver uma espécie de plano B para Moçambique".

Symbolbild IWF senkt Wachstumsprognose für Deutschland
Segundo o FMI, crescimento económico de Moçambique em 2016 deverá baixar para 4,5%Foto: picture-alliance/dpa

Esse plano seria elaborado com base no chamado roadmap da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) - um guia publicado em 2015 para lidar com dívidas soberanas.

"Espera-se que não seja necessário, mas caso venha a ser utilizado, que seja um processo relativamente claro para que Moçambique possa negociar um alívio da dívida com todos os seus credores, com o apoio da ONU, com abertura e transparência", explica o responsável da "erlassjahr.de".

O debate em Maputo centrou-se sobretudo na questão de quem poderá responsabilizar-se pelas dívidas ocultas, que têm um grande impacto no atual endividamento do país.

Mediador internacional

A eventual intervenção das Nações Unidas foi bem acolhida pelo Grupo Moçambicano da Dívida (GMD). "Sob o ponto de vista dos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os parceiros bilaterais que, de alguma maneira, foram violados, também faz sentido que haja uma mediação externa, que se junte à nossa", afirma Eufrigínia dos Reis.

A coordenadora-geral da ONG que monitoriza a dívida pública do país considera "produtiva" a ideia de ter uma figura internacional como mediador e poderia até trazer "mais benefícios para o país sob o ponto de vista do restabelecimento da confiança e da própria disciplina, porque o erro cometido é interno".

Schiffe von EMATUM in Mosambik
Barcos da EMATUM no porto da capital: dívidas "à deriva" em MaputoFoto: EMATUM

A responsável do GMD, que faz parte do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), que reúne várias instituições da sociedade civil, tem consciência de que a curto prazo será difícil encontrar uma solução para a crise, mas acredita na "boa fé" dos parceiros internacionais.

Eufrigínia dos Reis também pede mais transparência para "limpar a imagem" do país. "Somos um povo muito prudente. Se isto foi cometido por algum grupo, seria muito pesado que o povo moçambicano todo viesse a pagar por esta fatura", sublinha.

A coordenadora chama a atenção para a declaração que foi assinada por todos os participantes no fórum internacional que teve lugar em Maputo, incluindo as instituições públicas. "Só o facto de termos conseguido uma declaração conjunta já mostra a seriedade e o comprometimento que os moçambicanos têm perante a situação", conclui.

Aumento da dívida em África

Moçambique foi um dos grandes beneficiários do perdão de dívida, em 2005, quando ainda estava a recuperar de 16 anos de guerra civil. Nessa altura, ao abrigo da iniciativa de assistência aos Países Pobres Altamente Endividados (HIPC, na sigla em inglês), a comunidade internacional aliviou a dívida moçambicana num total de 3 mil milhões de dólares. Mas, entretanto, o país voltou a acumular dívida.

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A crise em Moçambique está relacionada sobretudo com dois fatores centrais: "um deles é a forte entrada de capital estrangeiro, devido às baixas taxas de juro; o outro é a necessidade de grandes investimentos no setor das infra-estruturas e exploração de recursos naturais", lembra Jürgen Kaiser.

Após a descoberta de grandes reservas de gás no norte, o país apostou muito nas receitas deste setor e isso criou problemas à economia, acrescenta. Aliás, países que investiram muito na exploração de recursos e são altamente dependentes de capitais estrangeiros estão em situação idêntica. É o caso da vizinha Zâmbia, "a braços com uma crise social, política e económica semelhante", refere Kaiser, sem esquecer o caso do Gana, onde apesar da descoberta de petróleo na costa o aumento da dívida é visto como "alarmante".

A dívida de vários países africanos está cada vez mais perto dos níveis de 2005, quando o perdão chegou aos 100 mil milhões de dólares.

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