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Moçambique: Multinacionais exigem contratos muito generosos

Karina Gomes6 de julho de 2016

O Centro de Integridade Pública (CIP) acusa a Anadarko, dos Estados Unidos, e a ENI, de Itália, de se aproveitarem da fragilidade económica do Estado moçambicano para obter vantagens nas concessões de gás no norte.

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Navio-plataforma da ENI na bacia do Rovuma, província de Cabo DelgadoFoto: ENI East

O CIP teve acesso a rascunhos de duas propostas de contratos sobre as infraestruturas para exploração do gás natural na bacia do Rovuma, no distrito de Palma, no norte de Moçambique. "Cientes da aflição do Governo, as multinacionais estão a aproveitar-se para tirar o máximo de benefícios nas concessões de infraestruturas da logística do gás", refere a análise "Anadarko e ENI negoceiam contratos com implicações graves para o Estado", divulgada em Maputo pela organização não-governamental.

De acordo com o estudo, as duas empresas não querem usar a Base Logística de Pemba, na capital da província de Cabo Delgado, no norte, para as suas operações de produção de Gás Natural Liquefeito (LNG, na sigla em inglês). Preferem construir a sua própria infraestrutura, no distrito de Palma, ao contrário do que foi acordado com o Executivo.

O CIP considera que os termos contratuais propostos são "problemáticos" e "podem "comprometer o desenvolvimento económico", que deverá ser gerado pela exploração de gás.

A DW África falou sobre as alegadas exigências das petrolíferas e eventuais consequências para Moçambique com Borges Nhamire, investigador da ONG que monitoriza a administração pública.

Mosambik Borges Nhamire
Borges Nhamire, investigador do CIPFoto: DW/J. Beck

DW África: Quais são os termos contratuais problemáticos apresentados pelas empresas?

Borges Nhamire (BN): Essas infraestruturas estarão ao serviço das concessionárias, mas [estas] exigem que sejam em regime exclusivo, no sentido de que aquela área toda, que são dezenas de hectares, mais as infraestruturas que vão ser construídas devem ser usadas exclusivamente para o projeto de exploração de gás. Isso está errado, porque o princípio é o da partilha de infraestruturas. Todas as infraestruturas para a indústria extrativa devem ser partilhadas com as outras empresas que existem na região e com as comunidades locais.

DW África: Além disso, as multinacionais recusam-se a usar a Base Logística de Pemba, como tinha sido acordado com o Governo. Qual é o impacto disso?

BN: A Base Logística de Pemba é uma infraestrutura que está a ser construída por empresas públicas e que implicou um grande investimento da parte do Estado e mobilização de financiamento. Efetivamente, se as multinacionais não a usarem, significa que vai tornar-se um elefante branco, não vai ter nenhuma utilidade. Porque o principal cliente que se espera venha a existir neste projeto de exploração do gás de Palma é a ENI e a Anadarko. Agora admite-se também que essa proposta feita pelas multinacionais seja uma das formas de pressionar o Governo a fazer mais concessões. Penso que é falta de boa-fé nas negociações num assunto de tão grande interesse para os moçambicanos.

DW África: E as empresas também não pretendem pagar ao Estado as taxas de concessão da infraestrutura?

BN: Não pretendem pagar qualquer taxa de concessão, alegando que trata-se de empreendimentos meramente comerciais e não de utilidade pública. Por isso, não querem pagar. As multinacionais recusam-se ou propõem-se a não pagar essa taxa, quando já têm muitos benefícios, que lhes foram concedidos antes.

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Simplesmente estão a querer acumular cada vez mais concessões generosas. E, ao fim, do dia, não se paga nenhum imposto, que como é sabido, é o principal, se não o único, elemento que vai garantir um desenvolvimento inclusivo e multiplicar o desenvolvimento nacional através da exploração de gás.

DW África: O CIP diz que as multinacionais se aproveitam da fragilidade do Estado moçambicano com o escândalo das dívidas ocultas para obter vantagens. O que é que o Governo pode fazer para não ficar refém das empresas e impulsionar a exploração de gás no país?

BN: O Governo está muito fragilizado porque está de cofres vazios. Por outro lado, há queda do investimento direto estrangeiro. Tudo isso deixa o Estado aflito e qualquer gota de dólares que possa pingar nas contas do Estado é muito importante. Naturalmente, as multinacionais estão-se a aproveitar dessa situação para acenar com algum dinheiro, mas exigindo em contrapartida concessões absolutamente generosas.

O Governo deve pensar que a decisão que vai tomar agora é uma decisão que vai ter efeitos para as próximas gerações de moçambicanos. Não vale a pena tomar decisões com base em ambições imediatas, porque depois de assinados os contratos e feitas as concessões isso vai refletir-se nos próximos 20 e 30 anos nas futuras gerações. Vale a pena hipotecar todo o desenvolvimento nacional, social e económico dos moçambicanos que cá estão e dos que ainda estão para nascer? Penso que não.

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