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Irmãos brasileiros em lados opostos na Segunda Guerra

Karina Gomes, de São Paulo6 de maio de 2015

Descendentes de alemães nascidos no Brasil, Gerd Brunckhorst e Paul Heinrich correram o risco de ficar frente a frente no campo de batalha. Um defendeu a FEB na Itália, o outro morreu lutando pelo Exército nazista.

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Gerd Emil Brunckhorst e Paul Heinrich na adolescênciaFoto: privat

Era 1938. Gerd Emil Brunckhorst via o irmão pela última vez, na Baía de Guanabara. Paul Heinrich, de 16 anos, seguia de navio para a Alemanha, onde faria um tratamento médico. Com o início da Segunda Guerra, ficou retido no país e, em 1943, foi recrutado pelo Exército de Hitler.

Na manhã de 11 de julho de 1944, Gerd estava de volta ao cais do porto. Mas, desta vez, avistava o enorme navio americano que o levaria para a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália. Descendentes de alemães, os irmãos lutaram em lados opostos.

"Quando eu já estava na Itália, soube de uma carta dele escrita à minha tia, de agosto de 1944, dizendo que ele iria embarcar em direção ao front russo. Depois disso, não voltou mais. A gente não sabe exatamente quando ele morreu", conta Gerd, hoje com 95 anos.

Paul era o caçula entre quatro irmãos. Os pais tinham deixado a Alemanha em 1910 com destino ao Brasil. Com um problema glandular, o rapaz de 16 anos não passava de um metro e meio de altura.

"A família o mandou à Alemanha para que talvez a mudança de clima desse um impulso para ele, mas não foi", lamenta. Impedido de deixar o país e convocado pelo Exército nazista, Paul passou a trabalhar em uma fábrica de munições e, já no fim da guerra, foi enviado para a Frente Oriental, o principal palco de conflitos entre o Reich e a União Soviética.

"Como cidadão brasileiro, ele não era obrigado a servir ao Exército Alemão, mas até ficou orgulhoso quando foi convocado já no fim da guerra", recorda Gerd. "Foi uma grande perda para a nossa família."

Um pracinha

Depois de estudar na Deutsche Schule, hoje Colégio Porto Seguro, em São Paulo, Gerd se mudou para o Rio de Janeiro. Ele trabalhava numa companhia de seguros marítimos fundada por alemães na capital carioca.

A entrada do Brasil na Segunda Guerra, com o ataque de submarinos do Eixo contra navios brasileiros, acentuou ainda mais o projeto nacionalista de Getúlio Vargas, que via alemães e teuto-brasileiros como uma ameaça.

O comando da empresa onde Gerd trabalhava foi alterado. "O novo diretor me chamou no escritório e falou para eu ir embora", lembra. "Eu argumentei que sou brasileiro e que estava com as minhas obrigações militares em dia, mas não adiantou. Depois de quase um mês em casa, me encostaram em uma seção de preenchimento de formulários."

Mas não passou muito tempo até que Gerd fosse enviado para a guerra. "Um praça bateu na porta da minha casa e entregou minha convocação para a Força Expedicionária Brasileira. Tinha sido rebaixado no trabalho por ser descendente de alemães, mas para 'boca de canhão', me achavam bom", ironiza.

Gerd se apresentou no dia seguinte, e viajou a Mato Grosso para receber treinamento. "Os descendentes de alemães eram de segunda, terceira ou quarta geração. Eles já não tinham mais ligação com o nazismo. Nós que éramos a primeira geração brasileira, ainda falávamos alemão em casa, mas nos sentíamos brasileiros."

Gerd Emil Brunckhorst Zeitzeuge Zweiter Weltkrieg
Gerd Brunckhorst segura uma foto do irmãoFoto: DW/Karina Gomes

A viagem para a campanha brasileira na Itália estava próxima. "Quando encostei do armazém 10 do Rio de Janeiro estava lá aquele navio monstruoso. Descemos até o quarto porão, na linha d’água. Minha beliche estava bem na pá do navio, o alvo predileto dos submarinos", relembra, sorrindo.

"Na noite seguinte, Getúlio Vargas apareceu: 'Brasileiros!', com aquele jeitinho de gaúcho. De manhã cedo, já estávamos saindo da Baía Guanabara e só tocavam canções patrióticas. 'Nós somos a pátria amada, fiéis soldados'. O Rio de Janeiro ficava para trás."

A viagem durou 13 dias. Eles seguiram escoltados por navios brasileiros e, depois de atravessar o Estreito de Gibraltar, foram levados até Nápoles, no sul da Itália, pelos ingleses.

No escuro

Trilíngue, Gerd foi um dos primeiros a desembarcar como intérprete dos oficiais brasileiros. Ele integrava o 9º Batalhão de Engenharia, a primeira unidade brasileira a entrar em ação na Segunda Guerra para construir estradas e pontes.

Ele e cinco mil homens seguiram para um vale coberto por carvalhos, oliveiras, nogueiras e faias para montar o primeiro acampamento.

"Uma banda de pracinhas começou a tocar. Imagine cinco mil homens cantando Aquarela do Brasil naquele escuro. Foi uma emoção, uma coisa que eu nunca esqueci", conta emocionado.

A missão de Gerd durou cinco meses. Um acidente, em novembro de 1944, determinou o caminho de regresso, que seria tão cheio de aventuras quanto à ida para a Itália.

Ele já tinha problemas no joelho e sofreu uma fratura enquanto preparava uma instalação sanitária. Ferido, Gerd passou a servir de intérprete entre pacientes brasileiros e médicos estrangeiros nos hospitais.

"Estávamos em Livorno, e um companheiro falou que havia um soldado alemão prisioneiro. Fui conversar com ele. O interessante sabe o que é? O soldado seja amigo, seja inimigo é solidário com o outro soldado", diz.

De volta a Nápoles, Gerd deu início à volta ao Brasil junto com outros feridos. "Entrei numa enfermaria apenas com pessoas que tinham perdido membros do corpo, civis e soldados. Era um salão enorme. Um rapaz que tinha perdido os dois braços pediu para fumarmos um cigarro juntos", conta.

Ele e outros dez pacientes viajaram de avião de Nápoles para Orã, na Argélia, de onde partiram para o Marrocos. "Atravessamos a cordilheira do Atlas. Estava um frio danado dentro do avião, que não era revestido. Descemos numa cidade no meio do deserto do Saara para abastecer e, no meio da noite, chegamos em Dacar, no Senegal. De lá, atravessamos o oceano até o Rio Grande do Norte", recorda o pracinha.

De lá, passaram uma noite no Recife, em meio a percevejos. "Do outro lado do corredor, tinha o setor de pacientes com doenças venéreas." Da Bahia, seguiram para o Rio de Janeiro. "Fomos em cinco pacientes num furgãozinho onde cabiam duas pessoas até chegar ao Hospital Central do Exército. O meu padrinho me recebeu e, olha só, ele assistiu ao meu nascimento."

Indagado sobre qual foi a aventura maior – ir para a Itália ou voltar de lá – Gerd não sabe responder.

Quando a Segunda Guerra terminou, em 8 de maio de 1945, o ex-combatente soube da notícias pelos jornais. Para ele, já era esperado.

"Quando ocorreu a invasão do sul da França, eu ainda estava na Itália. Eu vi uma corrente sem fim de aviões atravessando o céu na madrugada. Vi aquilo e pensei: 'É uma guerra perdida'."