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Mitologia e música

Simone de Mello11 de setembro de 2007

Compositor alemão Hans Werner Henze estréia ópera 'Phaedra' na Staatsoper de Berlim. Força destrutiva e regeneradora da máquina do mundo ganha expressão musical na 14ª ópera do compositor.

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Phaedra (Riccarda Wesseling) e Afrodite (Marlis Petersen)Foto: picture-alliance/dpa

A Fedra de Eurípides é movida pelo desejo de vingança de Afrodite, ofendida pelo fato de Hipólito, filho de Teseu e enteado da protagonista, só cultuar Ártemis, deusa da caça. A Fedra de Sêneca é movida por instintos animalescos, ao caluniar Hipólito e provocar sua morte, após ter tentado em vão seduzi-lo.

A Fedra de Racine é movida pelo ciúme e manipulada pelas intrigas baixas de sua ama Enone. E a Fedra da mais nova ópera de Hans Werner Henze é movida pelo ciclo de destruição e regeneração aparentemente inerente à máquina do mundo – e da música.

"A imagem sonora se compõe de estilhaços, de motivos contrastantes e divergentes, de fragmentos e retalhos. Mal começa a se desenvolver uma atitude narrativa, os metais penetram o espaço sonoro como uma faca afiada, assim como a percussão destrói o melos que se tenta criar com o sopro, o piano e o quarteto de cordas", descreve o diário Frankfurter Rundschau a peça de teatro-música recém-estreada na Staatsoper de Berlim.

Morte e ressurgimento

Hans Werner Henze und Peter Mussbach bei der Fotoprobe zu Phaedra
Hans Werner Henze e Peter MussbachFoto: picture-alliance/dpa

A ópera destaca a cumplicidade das duplas Fedra/Afrodite e Hipólito/Ártemis, enfatizando a simbiose entre a parte humana e divina. O fato de o papel de Ártemis ser desempenhado por um cantor torna a tragédia de Fedra um campo de combate entre os gêneros, um traço enfatizado pela encenação de Peter Mussbach.

O libreto do teólogo e poeta Christian Lehnert resgata a tradição antiga por diversos canais. A tragédia do amor proibido e não correspondido de Fedra por seu enteado Hipólito, que termina com o assassinato deste a pedido de seu pai, Teseu, e com o suicídio da protagonista, recebe um adendo na versão de Lehnert.

A segunda parte da ópera é extraída das Metamorfoses de Ovídio, que narra como Hipólito ("o que desatrela os cavalos") – após morrer pisoteado por seus cavalos, enquanto cavalgava a beira-mar e foi surpreendido pelo Minotauro, ressuscitado das profundezas do oceano por Posêidon – é secretamente recomposto por Ártemis e despertado da morte.

Outros motivos da mitologia antiga, uma base constante do trabalho operístico de Henze, se entremeiam à trama de Fedra nesta ópera. A peça inicia com a morte do Minotauro por Teseu no labirinto (um tema já abordado numa peça de dança composta por Henze em 1951) e termina com uma dança dionisíaca do mesmo Minotauro. Fim e recomeço.

Após ser recomposto por Ártemis, Hipólito – mantido numa jaula pela deusa da caça, preocupada em protegê-lo de Afrodite e da vingativa Fedra, ressurgida do Orco em foma de pássaro – perde a memória e é renomeado Virbius. A identidade perdida e a vaga lembrança da vida passada são o motor da segunda parte do libreto poético de Christian Lehnert, composto – assim como a música – de fragmentos líricos.

Saturação do espetáculo visual

O artista dinamarquês Olafur Eliasson, em seu primeiro trabalho cenográfico para ópera, divide o palco com uma superfície espelhada, na qual o espectador vê a imagem da orquestra, instalada no fundo do auditório, e dos cantores, que atuam sobre uma passarela por entre o público. Com insólitos efeitos de iluminação, o artista contribui para o caráter espetacular da produção da Staatsoper de Berlim.

A linguagem estilizada do diretor Peter Mussbach confere à encenação o caráter clean, preto e branco, que já se desgastou bastante nas montagens de ópera. Música, libreto, cenário e direção: nenhum dos quatro se encarrega de delinear o drama de Fedra, de modo que o especatador fica à mercê de suas associações e da tradição inscrita em sua memória – na melhor das hipóteses.

À mercê disso, na excelente companhia do Ensemble Modern, que já teria tornado esta "ópera-concerto" para 23 músicos uma obra tridimensional, mesmo sem encenação.