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"Crime de guerra é uma definição muito ampla"

Naser Shrouf (sv)22 de julho de 2006

Matthias Hartwig, especialista em Direito Internacional do Instituto Max Planck, em Heidelberg, fala em entrevista à DW-WORLD sobre a complexidade da situação no Oriente Médio.

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Bombardeios israelenses no LíbanoFoto: AP

DW-WORLD: Como podem ser definidos, do ponto de vista do Direito Internacional, os conflitos entre Israel e o Hisbolá? Pode-se falar em guerra, ataque, defesa, conflito armado? Quais são as diferenças fundamentais entre estas definições?

Matthias Hartwig: O Direito Internacional só reconhece, a princípio, a guerra e a paz. E para cada uma destas situações, há uma ordem de Direito correspondente . E também uma transição, ou seja, as regras, quando se vai passar da paz para a guerra. Esta transição é caracterizada pela chamada proibição de violência. O princípio básico do Direito Internacional hoje é o de que nenhum Estado está legitimado a fazer uso da violência.

Em relação à situação no Líbano: trata-se, na sua opinião, de uma guerra de ataque ou de uma guerra de defesa?

Depende do lado do qual se olha. Avaliando os fatos que levaram à ação militar israelense, há de se verificar que o Hisbolá seqüestrou primeiro os dois soldados israelenses, em território israelense, e jogou, do Líbano, bombas em Israel. Estes são atos de violência e podem ser interpretados como ataque armado.

No entanto, deixa-se desta forma de lado o fato de que este ataque foi feito por uma organização que não é estatal. De acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Israel tem todo o direito de se defender, porém, apenas de se defender de um ataque e não de atacar outros alvos. Neste sentido, não há como legitimar as atuais ameaças de Israel pelo Direito Internacional.

O conceito de autodefesa é certamente discutível. O senhor acabou de explicar que esta defesa só é justificável se estiver voltada contra os ataques do inimigo. Isso acontece na atual situação no Líbano hoje?

Primeiramente, uma reação a um ato de violência é justificável pelo Direito Internacional. O que não é permitido, contudo, é fazer uso do direito de defesa para aniquilar um outro Estado. No momento, quando se leva em consideração as declarações feitas pelo comandante das forças israelenses, pode-se levantar a suspeita de que Israel está perseguindo objetivos que vão além da simples defesa em resposta aos ataques recebidos.

A comissária da ONU para Direitos Humanos, Louise Arbour, mencionou a possibilidade de se conduzir investigações por crimes de guerra. Ela chegou a ameaçar os responsáveis. Como o senhor vê esta posição?

Há uma definição de crime de guerra que inclui necessariamente ataques à população civil. Ataques a alvos civis, nos quais está claro que não se quer atingir alvos militares. Ataques que provocam grandes danos nas pessoas, principalmente na população civil. Tanto as bombas direcionadas pelo Hisbolá a alvos aleatórios em Israel, quanto o bombardeamento de cidades no Líbano pelas forças israelenses – nos quais morreram certamente muito mais civis do que militantes do Hisbolá – não estão dentro dos princípios do Direito Internacional.

Então pode-se falar em crimes de guerra?

A questão é saber como interpretar a situação. Há de se dizer que crimes de guerra são crimes muito graves, como aqueles cometidos durante a Segunda Guerra pelos alemães. Um crime de guerra foi também certamente o aniquilamento da população em Srebrenica. A definição citada por mim é muito ampla. Há casos em que pagar o preço de danos enormes para a população civil em um conflito pode também ser considerado um crime de guerra.

Como eu disse, quando o Hisbolá atira bombas aleatoriamente sobre o território israelense, seja em Haifa ou onde quer que seja, e atinge, com isso, a população civil, ele fere os princípios humanos do Direito Internacional. O mesmo acontece quando Israel contra-ataca, pagando o preço de um alto número de vítimas entre a população civil no Líbano. Não tenho como confirmar esses dados, mas foi dito que, entre 70 mortos da última noite, havia apenas um militante do Hisbolá. Os outros eram todos civis. Aí há de se questionar a proporcionalidade da reação.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas reúne-se para discutir a situação de crise no Líbano. O que ele pode fazer concretamente, em termos de Direito Internacional? Que responsabilidade os membros do Conselho têm na atual situação, levando em conta que há muitas vítimas e refugiados são civis?

O Conselho de Segurança tem naturalmente a obrigação de manter a paz no mundo e de proteger e recuperar a paz em regiões onde ela está sendo interrompida. A forma como o Conselho vai fazer isso, difere em cada situação. Ele tem um leque de ação muito amplo. Não há qualquer princípio do Direito Internacional que regularize os passos dessas ações. Teoricamente ele tem obviamente a possibilidade de exigir um cessar-fogo das partes envolvidas. Ele pode encerrar qualquer atividade do lado do Hisbolá ou do lado libanês, que apóia os ataques.