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Antissemitismo mancha imagem do reformador Martinho Lutero

Andreas Gorzewski (fa)30 de maio de 2013

Nos preparativos para os 500 anos da Reforma, a Igreja Evangélica da Alemanha se vê confrontada com as declarações contra os judeus feitas pelo reformador Martinho Lutero. E opta por não esconder esse lado sombrio.

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Foto: picture-alliance/ZB

Tolerância é o tema central da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD, na sigla em alemão) ao longo deste ano e um dos principais temas a serem abordados pela igreja até 2017, quando se celebram os 500 anos da Reforma Protestante.

Mas, apesar dessa ênfase, o iniciador da Reforma, o alemão Martinho Lutero, demonstrou forte oposição à religião judaica, especialmente alguns anos antes de sua morte, em 1546.

Naquela época, Lutero chegou a pedir que ateassem fogo às sinagogas e escolas judaicas, além de afirmar que os judeus deveriam ter as casas destruídas, assim como os bens e livros religiosos apreendidos.

A teóloga Margot Kässmann, ex-presidente do Conselho da EKD, foi a mais recente especialista a apontar a contradição entre as raízes históricas e o posicionamento atual da Igreja Evangélica, cujo marco inicial são as 95 teses que – diz a lenda – Lutero afixou na parede da Igreja do Castelo de Wittenberg em 1517. Nos escritos, ele propunha uma reforma no catolicismo romano.

Kässmann escreveu um artigo no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, no qual disse que, com idade mais avançada, Lutero foi "um exemplo assustador do cristianismo antijudaico". A teóloga ainda enfatizou que a comemoração do aniversário da Reforma deve citar as suas conquistas sem ignorar esse lado sombrio.

Decepcionado com os judeus

O reformista não foi sempre contra a religião judaica. De acordo com o historiador holandês Herman Johan Selderhuis, Lutero esperava que os judeus se convertessem ao cristianismo – o que não aconteceu. Para Selderhuis, a decepção foi um dos motivos para que Lutero começasse a hostilizar os judeus.

Käßmann wirbt für die Lutherdekade
Kässmann apontou contradição em artigo para um jornalFoto: EKD/Schoelzel

Mas ele não era o único a pregar o antijudaísmo. Também outros teólogos reformadores, bem como representantes da Igreja Católica e humanistas famosos, como Erasmo de Roterdã, ofendiam a religião judaica. Em entrevista à DW, Selderhuis afirma que Erasmo de Roterdã elogiava a França porque lá havia poucos judeus.

A convocação de Lutero para incendiar as sinagogas não surtiu efeito no século 16. Em 1938, no entanto, os nazistas adotaram a parte dos escritos de Lutero que era hostil aos judeus. Postas em perspectiva, as palavras do reformista ajudavam a justificar o que ficou conhecido como "Noite dos Cristais" (ou Reichskristallnacht) – quando inúmeras sinagogas foram incendiadas.

O historiador adverte, porém, que Lutero não pode ser visto como um dos responsáveis pelo assassinato de milhões de judeus durante o Holocausto. "É claro que, na década de 30, foi muito fácil usar o que Lutero disse e escreveu como propaganda antissemita", comenta Selderhuis, que é protestante. Ele explica que é importante distinguir entre o antijudaismo de fundo religioso de Lutero e a ideologia racista antissemita. "O antissemitismo é sobre ser contra o judeu como pessoa, contra a sua origem e a sua existência como judeu."

As declarações de Lutero voltavam-se contra a fé dos judeus. "Ele é contra a religião judaica e a recusa dos judeus de se aproximar de Cristo", aponta Selderhuis. De acordo com ele, nas palavras de Lutero não há nada que mencione a ideia de eliminar um povo inteiro.

Também Kässmann salienta que Lutero não poderia prever que suas palavras seriam usadas pelos nazistas, séculos depois.

Deckel des Werkes Von den Jüden und Iren Lügen von Martin Luther, 1543
"Sobre os judeus e suas mentiras": capa do livro de Lutero (1543)

Polêmica ainda viva

Até hoje, as declarações de Lutero sobre os judeus provocam reações diversas. O artigo de Kässmann, embaixadora das celebrações dos 500 anos da Reforma Protestante marcadas para 2017, foi muito comentado no site do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung.

Alguns minimizam a polêmica ou defendem Lutero, situando as colocações do reformador no contexto social do século 16. Outros dizem não compreender como a EKD pode ter um inimigo dos judeus como pilar. Um leitor escreveu que uma pessoa como Lutero não serve como fundador de uma igreja cristã que propaga o amor ao próximo.

Também Kässmann vê duas linhas nas críticas ao seu artigo. "De um lado, há aqueles que defendem que o caráter evangelista, o protestantismo de Lutero deve ser posto em primeiro plano", explica.

Mas outros se mostram decepcionados com a faceta sombria de Lutero. Ele seria não apenas um inimigo dos judeus, mas também dos turcos. Os xingamentos de Lutero contra a Igreja Católica dificultariam os avanços no ecumenismo. Os seguidores dessa posição defendem que a Igreja Evangélica se distancie de Lutero e dê o menor destaque possível às suas ideias sobre os judeus.

Para a ex-presidente do Conselho da EKD, o mais difícil é encontrar uma maneira de deixar claro que não se trata de celebrar um jubileu exclusivamente alemão e de Lutero, mas de um jubileu internacional e ecumênico da Reforma.

A teóloga ainda enfatiza que é sempre melhor reconhecer os erros do passado. E que, hoje, a Igreja Evangélica prega que um ataque aos judeus é também um ataque aos protestantes.