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História

A outra face de Lúcio Lara: o 27 de Maio

António Cascais2 de março de 2016

O nacionalista angolano, Lúcio Lara - Tchiweka de seu nome de guerra – que faleceu no sábado, dia 27 de fevereiro, foi sepultado no dia 2 de março de 2016 no cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda.

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Foto: Imago

A urna com os restos mortais de Lúcio Lara, que faleceu aos 86 anos de idade, vítima de doença prolongada, esteve nas últimas 24 horas nas instalações da Assmbleia Nacional de Angola, o seu último endereço de trabalho, onde o corpo foi velado por familiares e antigos combatentes e veteranos da Pátria.

Todos os conhecedores da história mais recente de Angola estão de acordo: Lúcio Lara - um dos fundadores do Movimento Popular de Libertação de Angola - foi um homem que marcou a libertação nacional de Angola.

Não é pois de admirar que - num comunicado divulgado pela agência angolana Angop - o bureau político do comité central do MPLA se tenha referido a Lúcio Lara como um artífice da luta pela independência de Angola ao lado do primeiro Presidente de Angola, Dr. António Agostinho Neto, tendo escrito o seu nome - citamos - "com letras de ouro na história de Angola pela sua inestimável participação na árdua caminhada em prol da liberdade e da autodeterminação dos angolanos".

UNITA e CASA-CE enaltecem o contributo de Lúcio Lara

Também as duas principais forças da oposição angolana enalteceram em comunicados o papel de Lara na luta pela independência nacional.

Para a União Nacional para a Independência Total de Angola, UNITA, o maior partido da oposição, Lúcio Lara encarnou os ideais do MPLA, com os quais se identificou até à sua morte.

Acrescentou ainda que Lúcio Lara foi um destacado combatente pela independência de Angola, deixando exemplos de nacionalismo e patriotismo aos angolanos.

A segunda maior força política da oposição, a Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) lamentou a morte do nacionalista, que considerou um "participante ativo na luta contra o colonialismo português".

Na sua nota de condolências, a segunda maior força da oposição angolana sublinhou igualmente a contribuição ativa de Lúcio Lara para a independência do país.

MPLA cometeu excessos no tempo de Lúcio Lara
No entanto, Lúcio Lara será também recordado pelos massacres e outros excessos praticados em Angola pelo partido de que foi secretário-geral durante muitos anos.

Da parte da sociedade civil fizeram-se ouvir vozes críticas em relação a Lara, sobretudo devido ao seu papel nos denominados massacres de 27 de maio.

Recorde-se, que no dia 27 de maio de 1977, começou um dos períodos mais negros de Angola. Neste dia houve manifestações em Luanda a favor do então ministro do interior Nito Alves, suspeito de estar a organizar um golpe de Estado. A seguir, milhares de angolanos foram torturados e assassinados.

Todas as testemunhas e todos os historiadores, entrevistados pela DW África sobre o assunto apontam Lúcio Lara, a par do então presidente Agostinho Neto, como principal responsável pela purga que terá custado a vida a um número indeterminado de Angolanos, número esse que - tudo indica - poderá ter ultrapassado os 40mil.

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Delegação do MPLA na assinatura do Acordo de Alvor, em 1975: Lúcio Lara (ao centro) ao lado de Agostinho Neto (esq.)Foto: casacomum.org/Arquivo Mário Soares

Lúcio Lara, o tal herói que o MPLA quer inscrever com letras de ouro na história de Angola, é - também - um dos máximos responsáveis pelo maior massacre na história de Angola independente. A historiadora portuguesa e coautora do livro "Purga em Angola", lançado em 2007, Dalila Cabrita Mateus, respondeu da seguinte forma à pergunta da DW África, sobre quem foram os principais responsáveis pelos massacres de 27 de maio:"Os responsáveis máximos eram Agostinho Neto, Lúcio Lara, Iko Carreira, Rodrigues João Lopes (Ludy) e Henrique Santos (Onambwé)."

No mesmo sentido foi o depoimento do General angolano Silva Mateus, presidente da fundação 27 de maio: "Os responsáveis eram – a nível do MPLA – Agostinho Neto, Lúcio Lara e mais um outro. A nível das instâncias – no Ministério da Defesa, na própria DISA, em todas as instituições que compunham o Estado angolano naquela altura, houve muita gente que participou ativamente na repressão, na perseguição e na matança."

Buchcover Purga em Angola AUSSCHNITT
O livro que conta a purga que fez dezenas de milhar de mortos a seguir ao levantamento de 27 de maio de 1977, conhecido como o "Golpe de Nito Alves"

E Francisco Pascoal, um dos perseguidos que conseguiram escapar à matança, em entrvista à DW África, também aponta o agora falecido Lúcio Lara como um dos principais responsáveis pelos massacres:

"Os responsáveis foram muitos. Primeiro vamos começar pelo camarada Lúcio Lara [na altura secretário do Bureau Político do MPLA]. Eu fui delfim dele, gostava do camarada Lúcio Lara. Mas posso dizer que o camarada Lúcio Lara, ..., o camarada Iko Carreira [na altura ministro da Defesa], o camarada Rui Monteiro – os nossos camaradas com quem nós próprios convivíamos – eram os nossos principais carrascos."

Militância de Lúcio Lara começa na década de 50

Lúcio Lara, filho de pai português e mãe angolana, natural do Huambo, iniciara a sua militância no partido maioritário na década de 1950, tendo sido eleito secretário da organização e dos quadros do partido na primeira conferência nacional do MPLA, em dezembro de 1962. Posteriormente, passou a secretário-geral.Antes do agravamento do seu estado de saúde e da consequente retirada da vida política, Lúcio Lara era deputado do MPLA à Assembleia Nacional.

[No title]

Da sua relação com Ruth Lara nasceram três filhos, Paulo, Wanda e Bruno. Como recordarão eles o pai agora falecido? Apenas como herói da pátria cujo nome será inscrito com letras de ouro na história de Angola? Ou será que o seu nome também deverá ser escrito com letras de sangue? Eis a questão.
 

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